Título: Renúncia de Mesa ampliaria impasse
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2005, Internacional, p. A8

Presidente promete deixar o cargo se crise com frente opositora, que bloqueia Santa Cruz de la Sierra, derivar para a violência A tensão social em Santa Cruz de la Sierra ameaça provocar a renúncia do presidente da Bolívia, Carlos Mesa, e mergulhar o país em um impasse político de difícil solução. Segundo analistas, as forças que neste momento se opõem a Mesa - sindicalistas, líderes cocaleros e a poderosa oligarquia de Santa Cruz - têm interesses demasiado diferentes para chegar a um consenso de governabilidade, caso o poder fique vago. A crise começou no início do mês, depois que o governo decretou em dezembro reajustes de 23% para o diesel e 10% para a gasolina. Houve greves nas cidades de El Alto e Santa Cruz, mas respaldado pela oligarquia direitista, o movimento crucenho tomou mais força. Manifestantes ocupam prédios públicos, marcham pelas ruas. Pelo menos 200 pessoas fazem greve de fome, inclusive autoridades universitárias. Na semana passada, Mesa recuou e anunciou redução de 6% no reajuste do diesel. O Comitê Cívico, que organiza as manifestações, se declarou satisfeito pelo presidente ter ''demonstrado boa vontade'', mas exige que os preços voltem a ser os mesmos do ano passado. E prometeu não só continuar, como ampliar os protestos. - Aumentar tarifa de combustível em um país grande produtor de petróleo é sempre impopular. Mas a razão desta crise tem raízes mais profundas: pressionar o governo a mudar a lei do petróleo - afirma ao JB César Guimarães, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Em julho, Mesa ganhou um referendo cujas perguntas davam a ele a liberdade de negociar o aumento dos impostos das multinacionais de petróleo - que chegaram quando o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada privatizou a indústria de gás natural e óleo cru. - Os empresários de Santa Cruz não querem o aumento de impostos, nem excessiva intromissão do governo nas tarifas. Já os cocaleros e o Movimento ao Socialismo (MAS) querem a volta da nacionalização dos recursos - indica o antropólogo Robert Albro, do Smithsonian's Center for Folk Life, nos Estados Unidos.

- O problema é que estas posições sobre a lei do petróleo são opostas. Os empresários são liberais. Os cocaleros e o líder do MAS, Evo Morales, são nacionalistas. É uma oposição heterogênea demais - explica Guimarães. Mesa assegurou que prefere renunciar a ver violência nas ruas de Santa Cruz. Foi a deixa para que Morales propusesse sua pronta renúncia e a convocação de eleições presidenciais antecipadas. No entanto, ambos analistas concordam que este movimento não beneficiaria o MAS. Pelo contrário, prejudicaria a imagem de diminuição de radicalismo - consolidada nas eleições municipais do fim do ano, quando se tornou o maior partido da Bolívia.

- Morales se esforça para fazer do MAS o herdeiro da antiga esquerda na Bolívia. E o histórico é de que a esquerda só cresce na América do Sul com um tempo mais dilatado. A atual crise conspira para os interesses nacionalistas, mas Morales tem poucos votos nas cidades. Seu eleitorado é mais rural - diz o pesquisador do Iuperj.

Para Albro, com eleições antecipadas, Morales não teria tempo de conquistar justamente este eleitor urbano, como o de Santa Cruz, que ainda o vê como um líder radical, um cocalero da região de Chapare.

- Além disso, a classe média está farta de violência e instabilidade - acrescenta.

Albro também acredita que Mesa não vai usar armas para conter as manifestações em Santa Cruz, mesmo com o destacamento do Exército para importantes pontos, como o aeroporto e a refinaria: - Ele sofreria imediata condenação, de todos os setores. Trabalha com a lembrança de Lozada, obrigado a renunciar após um levante, em 2003