Título: Pescadores temem mar após tsunami
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2005, Internacional, p. A13

Homem sobrevive à tragédia comendo coco por 25 dias

Pescador por toda a vida, o tailandês Somkiat Baanperm não quer mais ver o mar. Após ter perdido a mãe e vários parentes quando o tsunami, que deixou mais de 220 mil vítimas no Sul e Sudeste da Ásia, atingiu a vila de Baan Nam Khem, onde vive, ele agora tem medo de voltar a trabalhar. O nome de seu vilarejo, ironicamente, significa ''água salgada''.

- Tenho medo de fantasmas no mar. E também dos corpos. Não quero nem chegar perto da água - revela.

Baanperm conta que pescadores da província vizinha de Ranong, cujos barcos resistiram às ondas gigantes, estão encontrando de cinco a 10 corpos por dia nas redes.

- Quando isso acontece, eles jogam os corpos de volta no mar e também os peixes, porque estão todos estragados - comenta.

Autoridades governamentais afirmam que o pescado é seguro para consumo e turistas - os poucos que estão no país - não têm relatado a presença de corpos quando entram na água. Mas o medo do mar que atualmente reina entre os pescadores está colocando em risco o futuro de muitos ao redor do Oceano Índico, que fornece grande parte do suprimento de peixes ao resto do mundo. Com a maioria da ajuda concentrada em prevenir doenças e combater a fome, alguns temem que esta questão seja negligenciada.

- Vemos a devastação da indústria do turismo, mas não estamos vendo a devastação da indústria pesqueira - disse o primeiro-ministro canadense, Paul Martin, o primeiro líder ocidental a visitar a região afetada pelo tsunami, logo depois de passar pela ilha tailandesa de Phuket, na semana passada. - A razão pela qual não estamos vendo é porque 4.500 barcos desapareceram. Quantos pescadores e famílias sumiram? Esta é uma questão que devemos tratar. É fundamental para a economia aqui.

Em meio aos infundados rumores de que peixes estavam se alimentando de corpos, muitos estão evitando o consumo. Até os mercados do Sul do país não têm vendido frutos do mar. O ministro da agricultura da Tailândia, Wan Muhamad Noor Matha, estima que a indústria pesqueira sofreu danos de cerca de US$ 50 milhões.

- As atividades simplesmente pararam. Não haverá pescaria por muitos meses - contou Baanperm.

Sem casa, barco, economias e emprego, ele diz que espera mudar de carreira e começar uma nova vida em terras mais altas.

- Morar nas montanhas é mais fácil. Nunca mais teremos que nos preocupar com o mar. Muitos pescadores estão querendo fazer isso.

Ontem, 25 dias após a tragédia, o pescador Michael Mangal, que morava nas comunidades tribais do arquipélago de Andaman e Nicobar, na Índia, foi resgatado com vida, após passar todo o período se alimentado de cocos. Mangal só foi salvo porque fez uma espécie de bandeira com as roupas. Com elas, conseguiu sinalizar que estava no local.

De acordo com o Exército indiano, um grupo de resgate que vasculhava a área de barco conseguiu encontrá-lo.

O sobrevivente contou aos membros da equipe de resgate que, primeiro, uma onda gigantesca o lançou ao mar e, depois, ondas subseqüentes o trouxeram de volta à praia.

Segundo os militares, Mangal foi até o vilarejo onde morava, mas não encontrou ninguém. Para não morrer, se alimentou dos cocos.

Mais de 7.500 pessoas, a maioria delas pertencentes às tribos de Nicobar, e que geralmente vivem na costa, morreram nas mais de 500 ilhas que formam o arquipélago.