Título: Brasil já atingiu grau de avanço institucional
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 15/06/2008, Economia, p. E3

Existem outras maneiras de controlar a inflação, além do aumento da Selic?

¿ Não, só se voltássemos ao passado, quando o governo fazia uso de vários mecanismos para controlar a inflação. Éramos uma economia fechada, o grau de concorrência era muito baixo, inovação quase nenhuma. O BC era um banco de fomento, mais que um guardião da moeda, financiava exportações, agricultura, e o governo usava um arsenal de instrumentos pouco ortodoxos para conter a inflação. Controlava a indústria, havia um setor específico para fiscalizar os preços direto ao consumidor, existia um imposto de exportação para inibir a venda externa de certos produtos, o governo importava diretamente feijão e arroz, quando estes gastavam no mercado doméstico, criava restrições ao crédito, havia limitações no financiamento ao consumidor, no número de prestações. Mas esse arsenal não faria efeito nenhum hoje.

Por que não?

¿ Porque a economia brasileira mudou, é uma economia estável, aberta, e por isso passamos a ser cada vez mais uma economia muito parecida com a de países desenvolvidos, na qual a política monetária tem papel relevante de manter a estabilidade dos preços.

A política do BC ganha grande relevância no contexto do país.

¿ Sim, nesse conjunto de mudanças institucionais, nas crenças da sociedade em relação à inflação, em atenção às normas que balizam a atuação do BC, criou-se um ambiente que restringe a ação voluntarista dos governantes. Embora o presidente da República tenha autoridade para determinar a redução da taxa de juros ou desvalorizar o câmbio, isto seria percebido como uma ação irresponsável e golpista, e o presidente Lula já percebeu o custo dessa ordem. Em resumo, o Brasil já atingiu um grau de avanço institucional que coloca o governo sob duas vertentes: a percepção de como o mercado pode reagir em relação às decisões do BC constitui uma restrição à adoção de políticas responsáveis. Por outro lado, a irresponsabilidade significa perder a eleição. Este é um avanço histórico muito grande, que tem como pano de fundo, a consolidação do processo democrático.

Sobre resultado do PIB de 5,8% no primeiro trimestre do ano, até que ponto os juros altos podem afetar o crescimento?

¿ O que se nota é uma pequena desaceleração do ritmo de crescimento do PIB na margem. O primeiro semestre em relação ao quarto trimestre, o PIB cresceu 0,7%. Tinha crescido 1,6% no quarto trimestre em comparação com o terceiro trimestre de 2007. Quando se compara trimestre a semestre, no caso o quarto trimestre com o primeiro semestre de 2007, os 12 meses terminados no quarto trimestre do ano passado, a economia cresceu 5,4%. Já os 12 meses terminados nos três primeiros meses de 2008, o país ainda está crescendo 5,8%. No entanto, fica claro que ele começa a desacelerar, e provavelmente essa desaceleração vai perdurar. Por isso, na Tendências, projetamos crescimento de 4,9% para este ano, e em 2009, quando os efeitos do aumento de juros serão mais sentidos, prevemos 4,1%.

O senhor considera boas estas projeções de crescimento?

¿ Sim, os dois resultados são de crescimento robusto. Vale lembrar que a taxa de crescimento anual do Brasil, na década de 90, era pouco mais de 2%. Para este padrão, 4% é um bom percentual, um pouco abaixo da taxa atual, porque é fruto do ajuste.

Nem se compara ao patamar chinês de crescimento.

¿ O país jamais vai voltar a crescer ao nível que se observou nos anos de 1968 até 1973. A taxa média de crescimento era de 11,1% ao ano, crescemos a um ritmo chinês. Mas a realidade daquela época era a experiência chinesa de hoje, grande fase de mudanças estruturais e institucionais e uma forte migração do campo-cidade. Nos países que experimentam esse fenômeno, observa-se também um grande ganho de produtividade. O Brasil, nesse sentido, já é uma economia madura, não vai haver mais a migração de campo-cidade como no passado. É um tipo de economia que pode até crescer mais de 4,5%, dependendo das reformas, mas nada no patamar de 9%, 10%.

Então o que precisa ser feito para o país crescer mais?

¿ Eu acredito que se o país enveredasse em um amplo programa de reformas, com a retomada da privatização, uma reforma tributária digna desse nome, uma reforma que mude estruturalmente o gasto fiscal, um esforço adicional de educação, tudo isso vai contribuir para um aumento da produtividade e para elevação do potencial de crescimento. Podemos chegar a 6%, mas jamais ao patamar atual da China.