Título: Um país intolerante com a inflação
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 15/06/2008, Economia, p. E3

Para ex-ministro, controle dos preços está diretamente ligado à popularidade dos governantes

Cláudia Dantas

O fantasma da inflação não voltará mais a assombrar os brasileiros, é o que garante o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, na qualidade de quem esteve no governo e viu o índice bater, por longos anos, na casa dos 80% ao mês. Maílson viveu o momento de transição, e viu o país derrapar por mais de uma década. Hoje é testemunha da estabilidade econômica, que mudou a mentalidade de uma sociedade acostumada a tolerar correções inflacionárias. Para o economista, a política monetária conduzida pelo Banco Central (BC) levou o país a conquistar um avanço institucional importante, percepção reconhecida e valorizada até no exterior, comprovada pelos comunicados oficiais das agências de rating Standard & Poor¿s e Fitch Ratings, depois de elevarem a classificação do Brasil. Ainda assim, adianta que o aumento da taxa de juros vai afetar o crescimento econômico, principalmente a partir do ano que vem.

Quais as conseqüências práticas do aumento da taxa básica de juros? Este aumento terá impacto na deterioração das expectativas?

¿ A conseqüência prática do aumento da Selic é a desaceleração da atividade econômica, e isso será mais sentido no fim do ano e na maior parte de 2009. O objetivo é situar esse índice da economia de forma compatível com a capacidade produtiva, ou seja, o potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Na Tendências Consultoria, calculamos uma taxa de crescimento de 4,9% este ano. Crescer a 4,9% é um percentual polêmico, porque significa criação de desequilíbrio, seja do lado da inflação, seja do lado da balança de pagamentos. O que vemos hoje é uma forte pressão inflacionária sugerida por uma demanda aquecida, provocada não só pelo aumento do preço das commodities no exterior, mas também pela alta das importações. A política monetária busca conter o desaquecimento para que a economia volte a um ritmo sustentável.

De que modo o empresário será afetado por uma reversão de expectativas?

¿ Acho muito difícil que se produza uma reversão do ânimo dos empresários para investimentos, porque a economia continuará crescendo a um ritmo substancial para os padrões recentes do Brasil, além de o governo criar os incentivos de mercado para as empresas continuarem investindo. Hoje, o ritmo de investimentos continua muito alto, da ordem de 15%, é quase o triplo do crescimento da economia brasileira. O efeito maior do ciclo de ajustes da taxa de juros deve ser sentido em 2009, por causa da defasagem entre a política monetária e a economia.

Haverá efeito direto sobre a taxa de crescimento do país.

¿ Sim, de fato trata-se de uma ação preventiva, saudável, que provocará a desacelaração da economia brasileira, para que ela cresça num ritmo sustentável. Do contrário, se a política monetária cedesse às pressões o custo do ajuste seria maior.

O consumo das famílias também seria afetado pelo ciclo de aumento da Selic?

¿ Com certeza. A política monetária afetará diversos componentes do PIB pelo lado da demanda, como o consumo das famílias e, mais à frente, os investimentos. O que não depende de controle do BC, mas sim de uma ação do governo é a redução dos gastos públicos. Estes continuam crescendo a um ritmo superior à economia, o que obriga o BC a ter uma atuação mais firme.

Esta semana, o presidente Lula cobrou soluções para que o controle da inflação não se restrinja só ao aumento da taxa Selic.

¿ A taxa de juros é o instrumento mais eficaz de controle da demanda e ação sobre as pressões inflacionárias. O ideal seria uma dobradinha entre a política monetária e a política fiscal, e é isso que o governo está tentando fazer com o aumento do superávit primário. Mas para a área fiscal contribuir para a estabilidade da moeda e o cumprimento das metas de inflação, seria necessário que o governo cortasse gastos e não simplesmente deixasse de fazer despesas com excedente de arrecadação. O discurso do presidente é apenas para consumo doméstico, Lula tem demonstrado capacidade de perceber o papel da política monetária para a estabilidade da moeda e de entender que a estabilidade da moeda está intimamente relacionada à popularidade.

A que o senhor se refere?

¿ À inflação, porque ela afeta essencialmente o bolso dos pobres, e os pobres não elegem quem deixa a inflação sair do controle, e isso o Lula aprendeu. Mais do que isso, o presidente aprendeu que existe uma relação entre a ação do BC e a preservação do controle da inflação. Por isso não acredito na fala do presidente, de que Lula vá interferir na ação do Copom. Ao contrário, desde o mandato de Fernando Henrique Cardoso que o BC tem plena autonomia para gerir a política monetária do país.

Como o senhor avalia a busca do BC pelo centro da meta da inflação?

¿ No regime de metas da inflação, o BC está sempre mirando a meta. O intervalo de dois dígitos para cima ou para baixo é para acomodar efeitos inesperados, um eventual choque. O presidente criou uma boa metáfora para explicar o porquê o BC tem de perseguir o centro da meta: um atirador quando pratica tiro-ao-alvo, sempre mira o alvo, mas se a trajetória da bala não o atingir, o próximo tiro dele tem de ser, de novo, certeiro no alvo. Isso já aconteceu outras vezes, durante a crise de confiança de 2002, perto da eleição presidencial de Lula, a meta de inflação foi revista.

Pode-se dizer que essa inflação que vemos é perfeitamente controlável?

¿ Ninguém pode ter dúvidas disso. Por várias razões. O Brasil se tornou uma sociedade intolerante com a inflação. O pobre, que mais sofria com o processo inflacionário, aprendeu a lidar com isso, as pesquisas de opinião mostram que o presidente perde popularidade quando a inflação sobe, a população carente, e até analfabetos, aprenderam a usar o direito do voto. Além disso, o Brasil tem hoje um BC autônomo, com mandato claro para defender a estabilidade da moeda e muito capaz para agir preventivamente, e finalmente, a instituição do regime de metas de inflação significou um passo adicional na melhoria desse ambiente pró-estabilização.