Título: Clima desafia a produção mundial
Autor: Streitfeld, David ; Bradsher, Keith
Fonte: Jornal do Brasil, 15/06/2008, Economia, p. E7

Chuva e seca põem à prova colheita de milho, soja, arroz e trigo em países como EUA e Austrália David Streitfeld Keith Bradsher THE NEW YORK TIMES GRIFFIN, INDIANA Num ano em que as colheitas globais precisam ser excelentes para reduzir a ameaça de grave falta de alimentos, é cada vez mais evidente que elas serão, na melhor das hipóteses, medianas. Alguns produtores começam a temer um desastre. Nos Estados Unidos, produtores de milho e soja sofrem com muitas chuvas, enquanto os de trigo na Austrália enfrentam a seca. ­ O plantio teve um início fraco. O nível de ansiedade está aumentando ­ conta Bill Nelson, analista de grãos da Wachovia. Randy Kron, cuja família atua no setor de agricultura no sudoeste de Indiana há 135 anos, deve ter pés de milho que não chegam nem a meio metro de altura no momento. Durante toda a primavera, contudo, parecia que havia uma torneira no céu. A chuva é regular, cruel. Parte das terras de Kron está muito encharcada para o plantio. Algumas sementes de milho que tentou plantar afundaram, obrigando-o a replantá-las. As que sobreviveram produziram pés que mal chegam a cinco centímetros de altura. Num momento em que o milho dos Estados Unidos deveria estar florescendo, um em cada 10 pés nem mesmo emergiu do solo, segundo o Departamento da Agricultura. Pelo fato de o milho plantado tardiamente ser mais sensível a danos causados pelo calor no verão, a demora diária praticamente garante uma safra menor na colheita. ­ Isso está deixando meus nervos à flor da pele ­ desabafou Kron numa manhã, em que o céu estava tão escuro quanto a terra sem plantação. No inverno passado, quando a crise global se tornou evidente, os preços das commodities dobraram ou triplicaram, provocando protestos nos EUA, badernas em duas dúzias de países e o fantasma de grande subnutrição. À medida que o mundo clama por mais milho, trigo, soja e arroz, os agricultores tentam enfrentar o desafio. Milhões de acres estão voltando a produzir na Europa. Na Ásia, cultivar dois ou três produtos agrícolas em apenas um ano está ficando mais comum. Produtores americanos estão plantando 324 milhões de acres este ano, que representa alta de 4 milhões de acres em relação a 2007. No entanto, grande parte da melhor terra está encharcada. Indiana e Illinois foram as mais atingidas, apesar de Iowa, Wisconsin e Minnesota terem sido inundadas na semana passada. Bob Biehl, cuja propriedade está perto de St. Louis, conseguiu plantar apenas 140 dos 650 acres que ele queria destinar ao milho. Alguns agricultores na região não conseguiram tirar, segundo Biehl, o trator da garagem. As plantações de soja dos EUA estão 16% menores em relação às do ano passado. A produção de arroz está lenta no Arkansas, responsável por quase metade da produção do país. ­ Certamente não teremos um produto tão bom quanto esperávamos. Não acho que isso seja uma boa notícia pra ninguém ­ explica Harvey Howington da Associação de Produtores de Arroz do Arkansas. Colheitas têm altos e baixos. Mas com a oferta da maioria das commodities chave em seus mais baixos níveis em décadas, há pouco espaço para erro este ano. Os agricultores americanos estão entre os maiores produtores do mundo, oferecendo 60% do milho que cruza fronteiras internacionais em um ano típico, bem como um terço dos grãos de soja, um quarto dos de trigo e um décimo dos de arroz. ­ Se tivermos produtos ruins, será um árduo percurso ­ opina o economista-chefe do Departamento de Agricultura, Joseph Glauber. Incer tezas Como todo agricultor sabe, problemas podem vir a qualquer momento antes que a colheita esteja concluída. Danny e Karen Smith levantam no meio da noite em sua fazenda de trigo em Milton, Kansas, toda vez que ouvem um trovão. Em poucas semanas, o trigo que plantaram no outono passado estará maduro. Uma tempestade ruim ou, pior, um tornado poderia destroçá-lo. No ano passado, os Smiths perderam quase todo o seu trigo para uma geada com muita chuva. Este ano, o clima tem estado perfeito: fresco e úmido. ­ Vê como esses grãos estão grandes? Isso vai alimentar muitas pessoas ­ comenta Smith, parado no meio de um de seus campos dourados. A colheita de trigo mundial deve aumentar mais de 8% este ano, graças ao melhor clima e mais acres cultivados. Mas até mesmo essa projeção brilhante é temporária. A Austrália deve sair de uma seca que já dura dois anos, mas essa previsão está, de certa forma, duvidosa. Com exceção do sudoeste da Austrália e um pequeno trecho do sudeste do país, pouca chuva caiu nos últimos meses. Muitos produtores de trigo não puderam plantar nada, segundo Bob Iffla, presidente da Associação de Produtores de Trigo. Conseqüentemente, a colheita deve ficar abaixo da média: 5 a 15 milhões de toneladas de trigo disponível para exportação, em relação aos 17 ou 18 milhões de toneladas em um ano médio. ­ Só depende das chuvas; ainda não é tarde ­ observa Iffla. Segundo Emerson D. Nafziger, professor de agronomia da Universidade de Illinois, não é possível estalar os dedos e aumentar a produção. Ainda dependemos do clima, afirma. Um ditado universal entre agricultores é de que os altos preços nunca duram, por que eles estimulam a produção que atende à demanda e baixa os preços. A crise atual está testando essa teoria. Com os altos preços de fertilizantes e diesel, as despesas dos agricultores são tão altas que a necessidade de plantar mais está levando, em alguns lugares, à tentação de não plantar nada. Prajoub Suksapsri em Ayutthaya, Tailândia, está entre os produtores que fazem o possível este ano. Pela primeira vez em duas décadas de agricultura, Prajoub se prepara para plantar arroz em sua terra, que geralmente não tem irrigação. Arroz em alta Ele e seus vizinhos arriscaram suas economias a fim de instalar um sistema para bombear água para seus campos. Se os preços do arroz continuarem altos, Prajoub pode ter o maior lucro que já viu em anos em sua propriedade de dois acres. Mas se os preços caírem, ele pode enfrentar grandes prejuízos. ­ Às vezes fico acordado à noite, preocupado com isso ­ disse, vendo seu novo gerador fazer barulho constante, para manter as bombas funcionando. O proprietário das terras que ele aluga está cobrando mais do que o triplo da quantia usual só pelo direito de plantar uma nova colheita. ­ Ele está sugando meu sangue, desabafa Prajoub. A propriedade de Helen Gabriel na Ilha Luzon, nas Filipinas, também mede dois acres e carece de irrigação. Com altos preços de diesel, fertilizante, arroz e inseticida, ela tomou uma decisão diferente de Prajoub. ­ Não teremos colheita este ano ­ disse Gabriel enquanto esperava numa fila por três horas pelo direito de comprar cerca de 2 kg do arroz subsidiado pelo governo. Estoques em baixa Estoques de arroz no mundo devem diminuir levemente este ano, excluindo as reservas de alimentos chinesas que não estão disponíveis para comércio mundial, depois de já terem diminuído bastante em seis dos últimos oito anos, segundo Concepcion Calpe, especialista em arroz da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês) em Roma. A estimativa não leva em conta o tumulto em Arkansas. No ano passado, a produção de arroz em Arkansas chegou ao recorde de 1.280 galões por acre. Este ano, dizem especialistas, a marca não passará de 1.200 galões. ­ Não há dúvida sobre isso. Não teremos arroz para exportar. Países pobres como Haiti, eu não sei o que vão fazer ­ preocupa-se Carl Frein do Serviço de Marketing dos Agricultores em Brinkley, Arkansas. Para toda a apreensão este ano, a estação de crescimento da vegetação ainda está no início, com muito tempo para a situação melhorar ­ ou para as colheitas fracassarem. ­ Já vi inícios medíocres melhorarem, e outros piorarem ­ explica Nelson, analista de grãos. Kron, produtor de Indiana, desistiu do milho na semana passada depois de conseguir plantar ­ e em alguns casos replantar ­ apenas cerca de metade de seus 1.200 acres. Ano passado, a produção de milho chegou a 1.200 galões por acre. Este ano, por causa do início tardio, ele vai ficar feliz de conseguir 1.040 galões. Kron alertou seu processador, Azteca Milling, que faz farinha para tortilhas e chips, que a produção vai ser menor. As esperanças de Kron estão se esvaindo. Esperava plantar soja em parte do solo destinado para milho que não estava sendo usado, mas centenas desses acres são adjacentes ao Rio Wabash que está cheio. Na segunda-feira, os campos ficaram inundados. ­ Não sei se este é o pior ano que já tivemos, mas é um forte candidato. Todos estão sendo testados ­ conclui o produtor.