Título: Poder econômico consegue inibir a ação governamental
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Jornal do Brasil, 22/06/2008, País, p. A8

No Brasil e no exterior, os impostos sobre o cigarro são muito relevantes.

Brasília

A estratégia da indústria de utilizar o argumento do peso econômico do tabaco para pressionar por legislações mais flexíveis não é novidade. Ao menos desde os anos 1980, quando as regras para o produto na Europa e nos Estados Unidos começaram a engrossar, os grandes produtores descobriram que deviam expandir sua atuação para países em desenvolvimento a fim de não perder faturamento. E que qualquer promessa de geração de empregos e renda em países mais pobres atrairiam a simpatia de governantes e legisladores.

Foi nesse contexto, inclusive, que a Organização Mundial de Saúde criou a Convenção-Quadro, um conjunto de diretrizes de combate ao tabagismo que deveria ser estendido a todos os países a fim de evitar que a indústria do tabaco encontrasse esta válvula de escape.

¿ É uma tentativa de dar uma voz mais legítima à suas demandas. Publicamente, a indústria jamais vai admitir que está apenas protegendo seus lucros ¿ denuncia Paula Johns, diretora executiva da Aliança Contra o Tabagismo (ACT).

Chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Tânia Cavalcante lembra que a aprovação da Convenção-Quadro da OMS no Brasil, em 2006, foi a primeira experiência mais dura dos especialistas vinculados à área de saúde com a força do lobby do tabaco.

Segundo ela, o Brasil sempre foi considerado uma espécie de vanguarda mundial no combate ao fumo devido à legislação avançada em aspectos como restrições à propaganda, mas quase perdeu prazos da OMS em relação a Convenção-Quadro devido às pressões e manobras do setor dentro do Congresso Nacional.

O próximo grande embate, diz Tânia, será em torno da proibição dos chamados "fumódromos". Atualmente, a lei 9294/96, que regulamenta o consumo do produto em locais de uso coletivo, estabelece em seu artigo 2º que "é proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público", mas abre a brecha do fumódromo ao acrescentar o trecho "salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente".

Proibição

Há meses o Ministério da Saúde, fundamentado em pesquisas científicas que comprovam a impossibilidade de se evitar o fumo passivo apenas separando em áreas diferentes fumantes e não-fumantes, formulou projeto de lei que acaba com essa brecha e proíbe de vez o consumo de cigarros em locais de uso coletivo.

A proposta, que faz parte inclusive do pacote de medidas lançadas pelo governo como PAC da Saúde, está parada na Casa Civil aguardando avaliação política da Presidência. Mas algumas cidades já se anteciparam à nova legislação federal e proibiram por si próprias os fumódromos. O Rio de Janeiro foi uma delas. Decreto da Prefeitura acabando com a brecha entrou em vigor no dia 31 de maio passado como parte das comemorações do Dia Mundial sem Tabaco.

Paula Johns, da ACT, critica a falta de disposição por parte da Presidência em enviar logo o projeto para o Congresso Nacional. A diretora da Aliança diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é figura próxima da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Paula observa que em todo o mundo a "indústria da hospitalidade" é utilizada como testa-de-ferro do setor tabagista. Segundo ela, fabricantes de cigarros elaboram pesquisas enviesadas na tentativa de demonstrar para comerciantes que fumantes consomem mais outros produtos.

Briga nacional

Tânia Cavalcante, do Inca, diz que no Rio de Janeiro foi possível ver uma prévia do que será a briga em todo o Brasil, com associações de bares e restaurantes patrocinadas pela indústria do cigarro protestando contra o fim dos fumódromos.

¿ No fundo, o que está em jogo é o óbvio ¿ explica. Os fabricantes sabem que se as pessoas não puderem fumar nestes estabelecimentos elas vão fumar menos e isso significa menos lucros para eles.

Outra trincheira em que mais uma batalha contra a indústria do tabaco deve se desenrolar é a dos tributos. Com base em pesquisas da OMS demonstrando que o peso do cigarro no bolso é um dos fatores mais eficientes para reduzir o consumo, o Ministério da Saúde pressiona o governo para aumentar os impostos cobrados em cima do produto.

Mas a iniciativa é barrada de frente pela Receita Federal, que contabiliza o recolhimento de algo em torno de R$ 7 bilhões anuais em tributos do setor. O receio é o de que um aumento da carga tributária implique em mais contrabando e conseqüentemente quedas de receitas. Enquanto o Ministério da Saúde defende que um maço de cigarro seja vendido por um valor médio oscilando entre R$ 4 e R$ 5, a Receita acredita que um preço ideal está na casa dos R$ 1,75.

Apesar das armas utilizadas pela indústria tabagista, a diretora-executiva da Aliança Contra o Tabagismo, Paula Johns, acredita que os índices decrescentes de consumo do cigarro no Brasil são bom sinal.

¿ Sem dúvida eles estão perdendo a batalha ¿ comentou. Cada dia as pessoas tem mais consciência das estratégias utilizadas pelos fabricantes para continuar vendendo um produto destes. Mesmo entre os fumantes esta consciência é cada vez maior.