Título: 200 mil vivem do fumo. 200 mil morrem pelo cigarro
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Jornal do Brasil, 22/06/2008, País, p. A8

Indústria busca apoio parlamentar para evitar novas restrições ao vício.

Brasília

Acuada pela possibilidade de sofrer restrições legais mais severas, a indústria do fumo investe pesado no estabelecimento de relações próximas com parlamentares. A nova aposta do setor tabagista para evitar que iniciativas como o fim dos "fumódromos" sigam em frente é tentar sensibilizar parlamentares para a situação dos agricultores que hoje dependem da plantação do fumo para sobreviver. No Brasil, pelos cálculos da própria indústria, cerca de 200 mil pequenos produtores obtém sustento na fumicultura. Curiosamente, esta também é a estimativa de mortes anuais devido ao uso do cigarro no país.

A estratégia parece estar funcionando. No início do mês, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara realizou audiência pública para debater as perspectivas da indústria tabagista. O evento se transformou numa espécie de homenagem à importância econômica do plantio de fumo.

¿ Normalmente se fala mal do fumo ¿ admitiu Luiz Carlos Setim (DEM-PR), enquanto presidia a audiência. ¿ Mas aqui estamos numa audiência para ver qual fumo é o melhor, se é o do Sul ou da Bahia.

O comentário foi uma brincadeira. Mas resumiu bem o tom com o qual foram conduzidas as discussões da audiência.

¿ Nunca houve nenhuma preocupação do poder Executivo de trabalhar com o setor fumo ¿ reclamou Antônio Arantes Lício, consultor do Sindicato da Indústria do Fumo da Bahia, exigindo políticas governamentais de apoio à produção tabagista. ¿ O cigarro hoje é visto como um produto inaceitável. Nós temos que reverter essa situação e só nessa casa podemos começar a fazer isso ¿ defendeu.

A autora do requerimento de convocação da audiência, deputada Jusmari Oliveira (PR-BA), declarou-se na audiência "combatente ferrenha do fumo". Mas, oriunda de uma das regiões agrícolas brasileiras mais dependentes do plantio de fumo, o Recôncavo Baiano, não hesitou em sair em defesa da indústria.

¿ Qual será a alternativa produtiva? Os agricultores não estão sendo capacitados nem preparados para plantar outra coisa ¿ afirmou. ¿ Então vamos começar a votar leis e combater decretos que venham no sentido da hipocrisia.

Supersimples

A deputada criticou ainda medidas como a proibição das indústrias do setor de aderirem ao regime supersimples de tributação e de obterem acesso à financiamentos governamentais como os do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

O deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), outro com raízes em uma região onde o plantio de fumo assume papel dinamizador da economia ¿ a região Sul do país concentra 95% da área plantada do país ¿ seguiu a mesma linha.

¿ Enquanto não tivermos política definida de diversificação da produção é preciso sim voltar incentivos para a agricultura, indústria e comércio do fumo ¿ disse.

Na Câmara, 13 deputados receberam, ao todo, R$ 674 mil em doações eleitorais de empresas do setor em 2006 (confira quadro). Quase sete vezes mais do que os R$ 97 mil injetados pela indústria nas eleições anteriores, de 2002. Heinze foi o deputado federal que mais recebeu contribuições do setor nas últimas eleições, R$ 120 mil.

Desde 2006 o Ministério do Desenvolvimento Agrário implantou o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco. A idéia é fornecer o apoio necessário para que pequenos produtores de fumo possam cada vez mais investir em outras plantações.

Investimento

Apesar do modesto investimento de R$ 10 milhões realizado nos primeiros dois anos de programa, a Secretaria de Agricultura Familiar do ministério garante que a iniciativa atinge cerca de 19 mil famílias em 500 municípios e que as áreas de plantio de fumo já foram reduzidas de 416 mil hectares, em 2005, para 344 mil hectares, em 2008.

¿ Claro que temos que pensar em substituir esta cultura ¿ confirma Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS). ¿ Tem que ser por outras que tenham a mesma lucratividade.

O peemedebista recebeu R$ 45 mil do setor nas eleições de 2006.

¿ A maldade está nos olhos de quem vê. É natural que eu, como deputado da minha região, vá pedir dinheiro para as empresas que são competitivas nela ¿ argumentou.

Mais da metade dos R$ 674 mil doados pela indústria do fumo em 2006 estão concentrados em apenas cinco parlamentares eleitos pelo Rio Grande do Sul.