Título: Freios a uma sociedade livre
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 22/06/2008, Opinião, p. A10

É mais do que preocupante o fato de que, no ano em que se comemora o 20º aniversário da chamada Constituição Cidadã, um magistrado e promotores que atuam junto à Justiça Eleitoral de São Paulo tenham considerado propaganda extemporânea ¿ passível de punição, com base na legislação específica ¿ a publicação, na imprensa escrita, de entrevistas com a pré-candidata à prefeitura paulistana Marta Suplicy (PT). O argumento é falho: fundamenta-se na idéia de que as entrevistas publicadas configuram propaganda eleitoral antecipada, uma vez que supostamente não estaria sendo respeitado o princípio constitucional de preservação da "igualdade de oportunidade entre pré-candidatos". Não só o argumento é frágil, como viola mandamentos constitucionais e desmonta preceitos elementares aprendidos nas lições sobre a liberdade de imprensa no país. Maus presságios.

O advogado-jurista Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça e ex-Consultor-Geral da República, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, chegou a dizer que só a "falta de escolaridade" justificaria o entendimento dos promotores e do juiz eleitoral de primeira instância. E acrescentou: "A resolução do Tribunal Superior Eleitoral (que repete o disposto na Lei Eleitoral de 1997) é uma manifestação interpretativa do tribunal, na qual se lê que não caracteriza propaganda eleitoral a divulgação de opinião favorável a candidato, partido ou coligação na imprensa escrita".

Por outro lado, nesta mesma semana, a Advocacia-Geral da União, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal ¿ necessário para que seja julgada, no mérito, uma ação de descumprimento de preceito fundamental (Adpf), ajuizada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) contra a Lei de Imprensa ¿ defendeu a manutenção dos dispositivos da lei de 1967, sobrevivente da ditadura militar, que estabelecem penas mais duras do que as do Código Penal para os meios de comunicação condenados por calúnia, injúria ou difamação.

Nos dois casos, os protagonistas demonstraram desconhecimento do artigo 220 da Constituição, segundo o qual "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social".

Em fevereiro último, o Supremo Tribunal Federal referendou a decisão liminar do ministro Ayres Britto que suspendeu diversos dispositivos da Lei de Imprensa, como relator da Adpf de autoria do PDT. O mérito da questão ¿ que envolve até a possível declaração de inconstitucionalidade da lei, em sua totalidade ¿ ficou para ser decidido em agosto.

Na ocasião, o ministro Menezes Direito chegou a votar pela suspensão imediata, em caráter liminar, da Lei de Imprensa como um todo, com base no artigo 220 da Carta Maior, e foi acompanhado por Celso de Mello e Eros Grau.

Como guardião da Constituição, o STF parece mais do que atento a interpretações heréticas de leis que agridam o claríssimo enunciado ao artigo 220, sejam elas penais ou eleitorais. Como afirmou o ministro Celso de Mello, a propósito de decisões judiciais que "culminam por inibir, restringir e asfixiar" a liberdade de imprensa, "não é cabível qualquer interferência estatal que resulte indevida restrição do exercício de uma prerrogativa que pertence não só aos meios de comunicação social, mas sobretudo aos cidadãos".

Parece perturbador quando se constata que lições do gênero ¿ que se julgavam já devidamente apreendidas pelos brasileiros de bem ¿ deparam-se com freios ameaçadores à idéia de uma sociedade livre. Resultam em espasmos de censura, suficientemente claros para despertar temores. Devem ser rechaçados.