Título: Nova lei visa qualificar imigrantes
Autor: Rocha, Juliana Anselmo da
Fonte: Jornal do Brasil, 22/06/2008, Internacional, p. A25

Brasileiros relatam experiências no trabalho informal e os motivos da xenofobia continental.

Legalizada, gerente de uma loja de artigos esportivos em Londres e casada com um polonês que também tem visto de permanência no Reino Unido, a brasileira K., não pensa em retornar ao seu país. Ela prefere o anonimato por já ter vivido como ilegal no continente europeu.

¿ Saí do Brasil aos 20 anos. Construí minha vida aqui ¿ lembra. ¿ Só voltaria se não houvesse outro jeito. Mas entendo que muitos queiram voltar. Se eu ainda vivesse como ilegal, buscaria meios para isso.

K. diz que a vida de imigrantes ilegais é muito difícil. Só conseguem trabalhos informais e chegam a cumprir jornadas de até 80 horas semanais para "ganhar uma merreca". Com a aprovação da nova Diretiva de Retorno na última quarta-feira pelos eurodeputados, os 8 milhões de ilegais vivendo atualmente na União Européia podem enfrentar até 18 meses de prisão caso sejam localizados e se recusem a sair voluntariamente em um prazo de sete a 30 dias.

José Luiz Niemeyer, coordenador do Curso de Relações Internacionais do IBMEC-RJ, vê nas novas regras uma "qualificação do fluxo migratório".

¿ São bem-vindos aqueles imigrantes altamente qualificados, que possam suprir falta de mão-de-obra pelo envelhecimento da população ou pelo crescimento da economia, caso, por exemplo, da Islândia e de outros países no norte do continente, que ficaram muito tempo fechados em si mesmos e só agora começam a participar das questões do bloco ¿ avalia Niemeyer.

Para Maria Latorre, do Instituto de Pesquisas para Políticas Públicas, em Londres., há uma tendência de relaxamento das restrições para trabalho de migrantes que beneficiaria os que se movimentam dentro do bloco europeu. A nova diretiva recairá, segundo ela, especialmente sobre os latinos, prevenindo que alcancem mercados nos quais supririam a falta de trabalhadores.

¿ Ter um conjunto unificado de regras é importante para estabelecer um enquadramento do imigrante dentro de uma região de fronteiras abertas como a União Européia (UE) ¿ analisa Maria. ¿ Contudo, estabelecer políticas de imigração inflexíveis põe em risco os benefícios desse fluxo, já que muitos movimentos pela UE são determinados por necessidades específicas como falta de profissionais qualificados, desenvolvimento econômico e melhora da qualidade de vida.

O programador Java Guilherme Melo é um desses imigrantes qualificados:

¿ Por ter também nacionalidade portuguesa, consegui uma bolsa de estudos para cidadãos europeus na Universidade de Kent, no Reino Unido. Viajo no segundo semestre para completar minha formação.

Segundo Jean-Philippe Chauzy, da Organização Internacional para Migrações, "todos os países europeus precisam de imigrantes". E, cada um, está fazendo o dever de casa para definir em quais setores essas pessoas são necessárias. Na Espanha, por exemplo, faltam trabalhadores para o setor de agronegócio, enquanto no Reino Unido e Itália, faltam cuidadores e profissionais de saúde.

¿ A xenofobia resiste, mas é fruto de uma percepção equivocada da população sobre os imigrantes ¿ observa Chauzy. ¿ Mesmo os ilegais não tomam os empregos dos nativos. Eles ocupam postos informais, que não interessam aos europeus.

Para a administradora de empresas Úrsula Brantes, há sete anos na Bélgica, só sofrem preconceito "os que insistem em afirmar na Europa a sua nacionalidade" original.

¿ Aqueles que querem impor sua religião e costumes são mal vistos. Mas os que se assumem como cidadãos europeus são muito bem aceitos ¿ diz. ¿ Especialmente se mostrarem esforço para aprender o idioma. Dar bom dia na língua local já melhora a receptividade.

Jay Winter, da Universidade de Yale, nos EUA, aposta na inaplicabilidade da diretiva e outras leis de imigração na UE, porque "muitos países têm acordos bilaterais com ex-colônias o que torna os casos excepcionais numerosos demais para viabilizar o projeto de unificação". Por isso, mesmo que Nicolas Sarkozy, que assume a presidência rotativa da UE em julho, tente focar nesse tópico, será vão.