Título: Inflação afeta padrões de consumo
Autor: Totinick, Ludmilla; Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 22/06/2008, Economia, p. E1

Alta de preços mostra apetite sobre os alimentos e obriga classe média a reinventar lista de compras.

Rio e São Paulo

O fisioterapeuta Dan Pilderwasser, 51 anos, tem gastado mais tempo em frente às gôndolas do supermercado, de olho nas etiquetas de preço. Já a professora Fernanda Couto Alves, 30 anos, resolveu cortar produtos como o sorvete e o biscoito recheado das compras do mês. Dan sabe que os R$ 2 mil que gasta mensalmente só com comida não rendem mais tanto. Fernanda não terá um carrinho tão cheio quando a conta chegar aos R$ 400 separados do orçamento para a alimentação. Atitudes como essas têm se multiplicado nos supermercados do país, reflexo de uma mudança de hábito do consumidor diante de uma inflação espalhada por produtos e classes sociais.

Os supermercados já perceberam o fenômeno.

¿ O consumidor está trocando de marca, deixando as mais tradicionais e levando as mais baratas. Também diminuiu o volume das compras e não tem levado para casa os itens perecíveis ¿ constata Sussumu Honda, presidente da Associação Brasileira dos Supermercados (Abras).

Os vilões da inflação ¿ o arroz, feijão, óleo e carne vermelha ¿ registraram aumento de 100% nos últimos 12 meses. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alimentos e bebidas tiveram variação acumulada de 6,40% até maio. Mas não são os únicos que subiram de preço. Os itens mais ameaçados de sumirem da lista de compras são os perecíveis, como congelados, enlatados, laticínios e embutidos.

O corte não se restringirá a alimentos. A inflação está disseminada e ganha mais força em setores como higiene e perfumaria, vestuário e materiais de construção, impulsionados pela demanda aquecida. A inflação, que força a mudança nos padrões de consumo brasileiros, tem origem externa, pondera o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. O Brasil se tornou dependente do mercado externo, acrescenta o pesquisador.

¿ Parte dessa dependência se deve ao abandono do setor agrícola. A falta de uma política adequada de preços mínimos e estoque regular aumentar ou nossa demanda pelo mercado externo, principalmente dos defensivos agrícolas ¿ diz Pochmann ao JB.

Com alta de 3,45% só em maio, a carne bovina deve se manter no atual patamar por algum tempo.

¿ Não vejo perspectiva de redução dos índices e já sentimos a redução do consumo da carne de primeira e de segunda, além da migração do cliente das mais caras para as mais em conta ¿ diz Péricles Pessoa Salazar, presidente da Associação Brasileira dos Frigoríficos.

¿ O crédito cresceu significativamente nos últimos meses ¿ conta Nilo Lopes de Macedo, analista do IBGE. ¿ Por isso, as classes D e E, que ganham entre um e três salários mínimos, comprometeram parte do orçamento com prestações fixas na aquisição de bens duráveis como máquina de lavar e geladeira. A única saída foi deixar de comprar alguns itens, principalmente os supérfluos.

O impacto da alta nos preços não vai atingir apenas as classes mais baixas, explica Sussumu Honda, presidente da Abras. Chegará à fatia com renda mais alta.

¿ Com a disparada dos preços do petróleo, que contamina todos os insumos, a tendência de alta nos alimentos se manterá e afetará as classes A e B, que tiveram um crescimento expressivo na renda em 2007 ¿ adianta. Outra previsão não é nada animadora: o volume de vendas nos supermercados terão crescimento zero este ano, contra os 5% de 2006 e 3% de 2007.

O fisioterapeuta Dan Pilderwasser calcula que os custos para encher o carrinho dispararam 10%.

¿ Feijão, arroz e material de limpeza subiram muito ¿ lista ele, que optou pelo feijão em promoção, marca própria do supermercado. ¿ Vou experimentar, quem sabe não é bom?

A professora Fernanda reduziu o número de produtos na lista do supermercado para encaixar as compras no orçamento doméstico:

¿ Tive de cortar os produtos dispensáveis. O preço do feijão e do café está altíssimo, por isso troquei de marca.

Alta disseminada

A rede de supermercados carioca Prezunic, com 28 lojas e 8ª no ranking da Abras, perdeu cerca de 10% do volume mensal de vendas por setor. O diretor comercial da empresa, Genival de Souza Beserra, está pessimista e prevê mais aumentos nos próximos meses.

¿ As pessoas deixaram de comprar carne e migraram para o frango, suínos e miúdos, mas com o crescimento da demanda o preço deles aumentou 25% ¿ observou. ¿ Fui informado pelo setor frigorífico que a arroba de boi vendida atualmente a R$ 80 já é negociada para novembro por R$ 100, por isso acredito que o preço não vai baixar.

Além da forte demanda, a alta da carne de segunda é explicada pelo aumento das exportações para a China e Rússia, além redução do abate nos frigoríficos brasileiros, que desde 2007 exportam o boi vivo para a Venezuela e Líbano.

Pesquisa da Fecomércio em 21 grupos de consumo apontou aumento de preços em 18.

¿ As variações positivas nos preço devem continuar nos próximos 12 meses ¿, diz Júlia Ximenes, assessora econômica da Fecomércio. ¿ Alguns segmentos ainda têm demanda muito aquecida.