Título: Cartéis na mira do governo
Autor: Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2005, Economia e Negócios, p. A21

Reajustes abusivos, aplicados em setores concentrados, são novo alvo da política econômica

Está em curso um diálogo de bastidores entre parte da iniciativa privada e o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que tende a mudar a ótica corrente de como conduzir a política macroeconômica. O alvo é o combate a reajustes considerados abusivos de preços, dimensionados por segmentos que dominam grande parte da indústria de base e matérias-primas, os chamados cartéis. Nestes grupos, mais do que nos preços administrados (tarifas públicas) está a mira do Banco Central, quando fixa mensalmente a taxa básica de juros. Apesar de todo o esforço da autoridade monetária, a inflação teima em dar sinais de alta.

Ocorre que este estado de coisas acaba por afetar o conjunto da cadeia produtiva, que fica espremida, pois na outra ponta o comércio quer reduzir o valor final dos produtos para manter seu cliente, como acontece nas grandes redes de varejo.

Tal preocupação foi levada ao presidente da República e à equipe econômica, atesta um empresário que tem trânsito livre no Palácio do Planalto e no Ministério da Fazenda. Mesmo com esta abordagem, tanto governo quanto representantes do setor privado afastam a idéia de que esteja sendo discutido um novo ''pacto social'' ou qualquer fórmula de intervenção no livre mercado.

Entretanto, os atores afirmam que, por mais complexo que seja o assunto, alguma saída precisa ser encontrada, pois a taxa de juros está passando dos limites. E, se for mantida assim ao longo do ano, será um desastre para a economia, como aponta com freqüência o empresário Antônio Ermírio de Moraes, dono do maior grupo industrial do país.

- Se uma atitude mais concreta não for tomada, o Banco Central não terá outra escolha além de manter o juro alto. Aliás, os setores sem concorrência acabam por incorporar a seus preços o aumento das taxas. Isso vira uma bola de neve que prejudica toda a economia - diz um representante do setor industrial.

Esta semana, o Banco Central ignorou as críticas e elevou a Selic de 17,75% para 18,25% ao ano. Foi a quinta alta consecutiva. Descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, os juros chegam à casa dos 12%, os maiores do mundo.

Depois de dizer várias vezes que haveria queda no momento certo, desta vez o presidente Lula teria ficado descontente com a decisão. Tanto que chamou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para uma boa prosa sobre o assunto no Planalto.

De forma inédita, Lula convidou também o deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), que preside a Confederação Nacional da Indústria (CNI), para a conversa. Do diálogo, poucos detalhes emergiram. Há a informação de que o chefe do Executivo teria sido convencido de que o aumento dos juros era a única alternativa no momento.

Enquanto não se encontra um ponto de equilíbrio, outra ponta do iceberg é alvo de intenso debate. Diante da elevação da taxa Selic, o câmbio teima em ficar sobrevalorizado. E com o dólar na faixa dos R$ 2,70, a economia tende a perder fôlego, por causa da baixa remuneração das exportações.

O ministro Palocci será alertado outra vez nos próximos dias pelo economista Luciano Coutinho, que uma atuação mais incisiva do Banco Central poderia recolocar o dólar no patamar de R$ 2,90, considerado ideal por analistas e empresários.

A idéia central seria o BC comprar mais dólares no mercado, o que contribuiria para recompor as reservas líquidas do país, hoje em US$ 25,7 bilhões. Entre especialistas, há uma espécie de consenso de que, para sair com folga de um novo acordo com o Fundo Monetário (FMI), seria necessário o dobro. Em março, o atual acordo com o Fundo vence. Até lá, os passos do ministro Palocci dirão se ele soube escutar seus interlocutores.