Título: Catadores de lixo no DF já são 10 mil
Autor: Guilherme Queiroz
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2005, Brasília, p. D1

Novo cadastramento começa em fevereiro, mas Administração já sabe que número de migrantes passou a novo patamar

Pilhas de papéis e papelão, latinhas de alumínio ou, com um pouco de sorte, resquícios de cobre ou outro metal valioso. Abundantes nas caçambas e latas de lixo do Plano Piloto, os refugos produzidos a cada dia atraem mais pessoas para sobreviverem do comércio de materiais recicláveis. Segundo a Secretaria do Trabalho, os catadores de papel no DF já passaram de 10 mil, dos quais 3.500 cadastrados em cooperativas. Na sua maioria lavradores e retirantes do campo nordestino, os catadores têm histórias parecidas. De Irecê ou Bonito, ambos na Bahia, ou de áreas rurais do Entorno, como Brasilinha, a maioria chegou ao DF para fugir da miséria típica da entressafra de feijão, época em que não há emprego na principal região produtora do Brasil - formada pelo oeste da Bahia e de Minas Gerais.

Na invasão da 911 Norte, um lote vazio próximo à Casa do Ceará abriga 42 famílias, todas de Irecê. Em um outro lixão, no Setor de Clubes Sul, próximo à Pestalozzi, mais 30 famílias têm origem nas lavouras baianas de feijão. Na estrutura abandonada do antigo clube do Ministério das Minas e Energia, a menos de 200 metros da Procuradoria Geral da República, cinco famílias, todas de Irecê, improvisaram lonas e compensados, transformando as churrasqueiras em suas casas.

- Se arrumarem o dinheiro para eu ir para casa seria uma benção. Eu iria hoje deixar de viver como um cachorro no meio do mato - afirma Alexsandro Conceição da Silva, há dois anos na área.

Primo de Alexsandro, José Severino da Silva engrossa o coro. Pai de três crianças, espera juntar recursos para comprar um pedaço de terra na Bahia. Teme, porém, demorar demais. As carroças foram apreendidas pelo Detran e um dos cavalos foi roubado. A saída encontrada por eles foi recolher o lixo de bicicleta. Mas queixam-se de que o volume que carregam pedalando é muito pequeno.

- Dentro do cerrado a gente não quer ficar mais. Todo mundo é de Irecê. O negócio do lixo está cobiçado e já não tem para todo mundo - conta Severino.

Severino e Alexsandro vivem em uma das três áreas do Plano Piloto classificadas como críticas pela Administração Regional de Brasília. De acordo com o chefe de gabinete do órgão, Renato Castelo, o número de pessoas que vivem nas áreas já foi mapeado, mas os dados se desatualizaram. Ele revela, porém, que novo levantamento será feito a partir de 1º de fevereiro, quando começarão a negociar com as famílias a saída do cerrado.

- Lixo bom é o lixo do Plano Piloto. Nós diminuímos a pressão sobre eles mas até o fim do ano as áreas verdes desocupadas serão transformadas em praças e parques - garante Castelo.

Uma proposta que será negociada com os catadores, relata Castelo, é a inclusão dos trabalhadores em cooperativas de reciclagem. Morador das áreas verdes do Plano Piloto desde os dois anos de idade, quando viveu na antiga invasão da 110 Norte, Fernando da Conceição Silva já iniciou o processo. Hoje, trabalha com alunos do UniCeub na redação do estatuto da entidade. Quer ajuda do GDF para conseguir um lote, e da iniciativa privada, para financiar a construção do galpão e para a compra dos equipamentos.

- Temos 42 famílias cadastradas. Não queremos só ganhar um lote. Precisamos manter nosso trabalho, que é como sabemos sobreviver - argumenta Fernando.