Título: Sem espaço para soluções artificiais
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 23/06/2008, Opinião, p. A8

Na reunião com ministros e economistas no Palácio do Planalto sobre o recrudescimento da inflação, o presidente Lula não poderia ter sido mais claro: "Não quero mais artificialismo". O alvo da decisão presidencial era a ressurreição das sugestões sobre congelamento de preços, solução que na véspera do encontro foi anunciada pela Venezuela e pelo Uruguai, seguindo o exemplo argentino, acompanhados de forma surpreendente pelo México. Coube ao senador Aloizio Mercadante (PT-SP), participante da reunião, resumir: "Lula disse que não vai seguir os caminhos do México e da Argentina".

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, apresentou os resultados do encontro de modo curioso, enumerando as decisões que não foram tomadas. Assegurou que na reunião não foi discutido o aumento do superávit primário ou qualquer proposta para conter a expansão do crédito. Mantega afirmou que o aumento da meta do superávit de 3,8% para 4,3% do PIB já estava decidido anteriormente e seria "difícil fazer mais do que isso". E quanto ao crédito, o ministro considera que a escalada da taxa de juros já cumpriu esse papel de conter consumo.

De concreto, Mantega anunciou apenas a determinação de Lula para que fossem adotadas medidas de estímulo à produção agrícola, para que o país alcance safras recordes nos dois próximos anos. Em outras palavras, a reunião de quinta-feira no Palácio do Planalto não produziu decisões amargas, como aumento de juros ou corte de crédito, e desse ponto de vista ajudou o marketing político do governo. Por outro lado, reafirmou a convicção do presidente da República de que o Brasil já acumulou suficientes práticas de heterodoxia em economia e as dispensa pela simples e boa razão de que todas falharam.

Este é o ponto importante na atual preocupação com o aumento da inflação. Lula avisou que sabe bem o que não deve fazer, o caminho que não deve percorrer. Este é um aspecto essencial em um país que tem uma história econômica coalhada de tantas tentações de artificialismos como é o caso do Brasil. Por sua vez, a proposta do presidente de estimular a produção agrícola, apesar de não ser a solução de todos os problemas inflacionários do país, sem dúvida auxilia nesse combate.

É fato que incentivar a safra agrícola é um típico comportamento tático na guerra inflacionária. A proposta central desse incentivo é elevar em 12%, em relação ao ano passado, o crédito oficial dos agricultores. O alvo da iniciativa é aumentar a oferta no mercado interno e conter a alta de preços. E para isso o governo destinará R$ 78 bilhões para a safra 2008/2009, que começa a ser plantada em setembro. O Ministério da Agricultura já avisou como será a divisão desse bolo orçamentário: R$ 65 bilhões para a agricultura empresarial e R$ 13 bilhões para a familiar. O objetivo é aumentar em até 6% a produção da próxima safra (a atual atingiu a produção de 143,2 milhões de toneladas).

O comportamento mais estrutural para o combate à inflação ficou por conta da decisão de que o teto do crescimento da economia passa a ser 5%, e não 6%, já para este ano, derrubando a expansão da demanda interna dos atuais 8% (no dado anualizado, referência abril) para 6% no final do ano. O governo quer combater a demanda evitando ao máximo que a contração da política monetária atinja o emprego, por seus dramáticos efeitos eleitorais.

Enfrentar a inflação sem mexer demais com os investimentos preservará empregos. O presidente quer esse caminho, e não qualquer mágica de congelamento de preços, política que não interessa a ninguém a longo prazo. O grau de investimento que o país obteve de duas agências de risco está escudado nessa visão pragmática do governo Lula. Esse patrimônio de confiança, interno e externo, o presidente não pretende arriscar em nenhuma hipótese. Melhor para o país.