Título: Déficit expõe dilema do crescimento
Autor: Saito, Ana Carolina; Cavalcanti, Simone
Fonte: Jornal do Brasil, 23/06/2008, Economia, p. A18

Analistas prevêem rombo de até US$ 17 bi nas contas externas por causa de juros e câmbio.

São Paulo

O retorno aos déficits em transações correntes expõe um dilema: no quadro que se desenha hoje, o caminho para o crescimento da economia brasileira nos próximos anos passa obrigatoriamente pela dependência do financiamento externo. O impacto desse rombo nas contas externas sobre a economia brasileira divide opiniões. Enquanto alguns analistas alertam para o risco de repetir o passado, deixando o país cada vez mais vulnerável a passar por outra crise cambial, outros argumentam que hoje a situação é bem mais confortável e que o regime de câmbio flutuante pode proporcionar um ajuste suave.

Após cinco anos consecutivos apurando superávit em transações correntes, o Brasil inicia um processo de inversão com saldos negativos, que tendem a se aprofundar nos próximos anos. Economistas estimam que hoje seja divulgado pelo Banco Central um déficit entre US$ 16 bilhões e US$ 17 bilhões nos 12 meses encerrados no em maio ante superávit da mesma ordem de grandeza em igual período de 2007. Colaboram para isso remessas de lucro das empresas e o saldo menor na balança comercial.

Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, afirma que não há problema de risco financeiro e fiscal associados ao desequilíbrio externo como havia no passado recente, mais precisamente em 2002.

Baseia sua avaliação no atual status brasileiro. Hoje, seguindo o regime de câmbio flutuante, o país conta com reservas internacionais na casa dos US$ 200 bilhões, o setor público é credor em moeda estrangeira e zerou sua dívida interna em dólares ¿ há seis anos a cada 10% que o real se desvalorizasse a dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) aumentava 1% ¿ o setor privado tem dívida reduzida e, por isso, não apresenta um fluxo de pagamento de juros, e, sim, de dividendos, que dependem do lucro auferido pela empresa. Além disso, é classificado por duas agências de rating como grau de investimento, o que o qualifica a receber investimentos específicos de fundos de pensão estrangeiros.

Para o diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Sicsú, embora a situação seja diferente hoje, o atual rombo nas contas externas não deixa de ser um sinal de alerta.

¿ Ter déficit é preocupante. No nosso passado recente, tivemos como resultado crises cambiais ¿ afirma o economista.

Para Sicsú, o aumento de investimentos e as reservas não são garantia de proteção para o país. Com o argumento de aumento de produtividade, o Brasil passou por sucessivas crises cambiais entre 1994 e 1998.

¿ O país fez uma renovação no parque industrial, mas não há produtividade que resista ao câmbio valorizado.

Câmbio valorizado

Na sua avaliação, a explicação para o déficit é a elevada taxa de juros, que resulta em câmbio valorizado. As conseqüências são um saldo comercial mais magro e o crescimento de remessas de lucros ao exterior:

¿ O nosso modelo de proteção tem de ter juros baixos e câmbio competitivo para exportar mais para aumentar as reservas. O problema externo se resolve com queda de juros.

No caso das reservas, o economista argumenta que não é possível saber se elas serão suficientes para cobrir o estrago:

¿ Só se sabe na hora de testar o remédio. No passado, diziam que US$ 80 bilhões eram suficientes.

Para o economista-sênior da Austin Rating, Nelson Carneiro, estruturalmente, a economia brasileira só consegue crescer hoje com déficit em conta-corrente.

¿ O Brasil tem uma economia fechada, só consegue crescer importando senão enfrenta problemas de demanda ¿ diz. Na sua avalição, é hora de o País discutir a substituição de importação por produção local para mudar esse perfil.

¿ O que assustou foi o ritmo de deterioração das contas. Mas o déficit demorou porque o crescimento demorou para acontecer. O país está pegando renda externa porque há perspectiva de crescimento ¿ completa o professor de macroeconomia e pesquisador do Ibmec São Paulo José Luiz Rossi Júnior.