Título: Vísceras da traição anunciada
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 22/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

Resta refletir sobre o que virá no Congresso, no governo e no PT em vésperas de convenção nacional, a partir dos movimentos que levaram à vitória de Severino

Anomalia? Só por preconceito. A ascensão de Severino é apenas um marco definidor da prática política implementada no país nestes dois anos da Era PT nos Palácios. Ele representa, como ninguém, o Parlamento de meros vereadores federais, limitado pela conseqüente subalternidade ao Palácio do Planalto. Fisiológico? Mas como não ser, se foi pela continuidade até escandalosa de tais métodos que Lula optou, nas relações do Executivo com o Legislativo? O que produziu alianças com o PMDB, de Renan Calheiros; o PTB, de Roberto Jefferson e até o PP, de Maluf e do próprio Severino? Debate de idéias ou mesquinhas ambições?

As forças conservadoras batidas em 2002 não fazem oposição programática ou ideológica a Lula. PFL, PSDB só brigam pela posse do timão, porque quanto ao rumo do transatlântico - a opção macroeconômica, ditada pelos paradigmas do FMI -, nem pensar. Por aí, só há coincidências.

Reacionário convicto; com folha corrida de dedo-duro durante o período autoritário, quando se afirmou como inimigo confesso de Dom Helder Câmara e lutou pela expulsão do padre progressista italiano Vito Maracapillo, Severino é retrato perfeito dessa contradição. Tanto que um dos primeiros a cumprimentá-lo efusivamente, após a vitória, foi outro deputado-símbolo da mediocridade dominante, o Professor Luizinho.

Foi ele quem primeiro lembrou da fidelidade de Severino, no que foi reforçado pelo ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo: ''O governo não foi derrotado. O deputado Severino é um leal participante da base de apoio''. Verdade. Não faltou uma só vez com o seu voto, nas inúmeras iniciativas legislativas aprovadas no interesse do grande capital privado.

Resta refletir sobre o que virá - no Congresso, no governo e, principalmente, no PT em vésperas de convenção nacional - a partir de análise dos movimentos que levaram ao inusitado resultado. O que levou o Planalto e o PT a jogarem Virgílio na caixa de inutilidades, quando seu nome parecia sacramentado pelos demais deputados, até por conta de seu trânsito com todos os cleros da Câmara? Ele é indiscutivelmente muito mais próximo da linha doutrinária, ora em vigor, do que Greenhalg. Mais ainda: é da patota que controlava os postos-chave da bancada, com quem tinha acordo fechado na sucessão de João Paulo Cunha. Por que o traíram, obrigando-o a uma candidatura avulsa?

A resposta não está na busca de equívocos, mas na validade, ou não, de estratégias para 2006. Porque se Virgílio é político mineiro, o vice José Alencar também é. O qual, no projeto para a reeleição, Lula não pretende manter na chapa, pois o cargo tem que ser conferido a legenda eleitoralmente mais forte. De preferência, o PMDB.

Para que a substituição não fosse traumática, Virgílio tinha que ser barrado. Os acertos com Aécio Neves já iam em bom caminho, desde a eleição de Fernando Pimenta à prefeitura de Belo Horizonte, e a vaga do Senado tinha que ser aberta para José Alencar.

Inesperada foi a designação de Greenhalg, cujas possibilidades só se tornariam razoáveis caso abrisse mão, publicamente, de toda a sua história militante. Mas era o nome ideal para uma outra manobra que começa a tomar corpo no PT, a partir da crescente vaga recente de rebeldias internas. Seria um salamaleque aos dissidentes da bancada. Coisa parecida com o que, no Rio de Janeiro, começa a ser operado em torno de Wladimir Palmeira, agora aparentemente recomposto com os próceres que degolaram sua candidatura em 98, e mentor do outrora incontrolável Lindberg Farias, na conversão a ''quindim'' de Lula.

Já não se disfarçam os acenos para lançá-lo candidato ao governo do Estado, como forma de amarrar, internamente, a sempre esperançosa esquerda petista oficial. Resta saber se tal manobra - mais para cardeal Mazarin do que para Maquiavel - vai resistir a uma queda de asa de Sérgio Cabral Filho, desprendendo-se de Garotinho. Ou de Miro Teixeira, o mais novo petista, quando se colocar à disposição do ''sacrifício''.

Como se vê, a vitória de Severino não tem nada de surpreendente, se consideramos o emaranhado de interesses em jogo - para além, é claro, dos vergonhosamente corporativos que não deixam de atender, inclusive, a uma boa parte dos deputados petistas.