Título: E a origem do Bolsa Família?
Autor: Falcão, Márcio
Fonte: Jornal do Brasil, 26/06/2008, País, p. A3

Brasília

A morte da ex-primeira-dama e antropóloga Ruth Cardoso reacendeu na cena política a discussão em torno da paternidade do programa Bolsa Família, carro-chefe do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que lhe rende, até hoje, dizem especialistas, recordes e mais recordes de popularidade. Caciques tucanos e democratas, ao destacarem as ações sociais da ex-primeira-dama ao longo dos oito anos do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, reivindicaram para ela o título de ¿mãe do Bolsa Família¿.

Para os oposicionistas, a política social do governo Lula representa a continuidade do que o tucano emplacou com a colaboração de D. Ruth. O maior legado da ex-primeira-dama, e que ela sempre fez questão de mencionar em suas raras entrevistas, foi o Comunidade Solidária, projeto social criado e presidido por ela em 1995 e os programas Bolsa Alimentação e Bolsa Escola.

Programas unificados As bolsas assistenciais de Fernando Henrique começaram em abril de 2001. Articulados por D. Ruth, que defendia a unificação dos programas de transferência de renda e de combate à fome no país e acabou persuadindo o então presidente Fernando Henrique para adotar o sistema.

¿ Foi uma primeira-dama exemplar, discreta, competente, enfim, uma intelectual de grande mérito. Fez um trabalho importantíssimo ¿ declarou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE).

O prefeito do Rio, César Maia (DEM), lembrou ontem em seu ex-blog, que foi procurado no início de 1996, pela então a primeira-dama para tratar de programas sociais que funcionariam no modelo do Bolsa Família. No encontro, D. Ruth lançou mão do que seria o esboço do programa Bolsa Escola, no qual a bolsa alimentação seria substituída por uma renda direta, vinculada à freqüência escolar. Estados e municípios já colocavam em prática o sistema.

¿ Se alguém procura maternidade ou paternidade para os programas de inclusão social associados à renda, a Prefeitura do Rio é testemunha de que coube a Dona Ruth Cardoso idealizar, desenhar e implementar este programa em parceria com municípios e Estado ¿ disse Maia.

Entre os projetos que D. Ruth teria mostrado estava o do ex-governador do Distrito Federal e senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que era desenvolvido desde 1995. O pedetista, que na época era petista, conta que mandou diversas cartas a Fernando Henrique e a D. Ruth tentando vender a idéia do programa. A diferença era que a ex-primeira-dama colocou o projeto nas mãos da Assistência Social e Cristovam defendia que fosse comandado pela área de Educação.

¿ Fiz um lobby para o governo federal da época abraçar a idéia ¿ disse Cristovam, sem polemizar sobre a autoria da idéia. ¿ E dona Ruth teve um papel importante para o país quebrar barreiras e apresentar uma nova política social.

A reivindicação de tucanos e democratas para D. Ruth não foi bem recebida pelos governistas. O líder do PT, Maurício Rands (PE), reconhece a importância da ex-primeira-dama para a implantação dos programas sociais do país, mas diz que não se pode avaliar o Bolsa Família de Lula como uma continuidade do Bolsa Escola de Fernando Henrique.

¿ As medidas sociais no governo Fernando Henrique foram embrionárias ¿ argumentou Rands. ¿ No governo Lula, as ações sociais ganharam uma outra dimensão em questões de qualidade, quantidade e metodologia. Atribuir a ela (o Bolsa Família) é querer forçar uma situação que não é real. Tucanos e democratas precisam ser mais humildes.