Título: Uma em cada 12 crianças é explorada
Autor: Olivia Hirsch
Fonte: Jornal do Brasil, 22/02/2005, Saúde & Ciência, p. A12

Trabalho infantil atinge mais a África

Uma em cada 12 crianças do planeta enfrenta as piores formas de exploração no trabalho, revelou um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado ontem em Londres.

''Cerca de 180 milhões são submetidas a trabalhos perigosos, escravidão, recrutamento forçado no Exército, prostituição e outras atividades ilegais'', denunciou o documento, que classifica o trabalho infantil como uma cicatriz na consciência do mundo no século 21.

O estudo aponta ainda que 97% das crianças exploradas se encontram nos países pobres ou em desenvolvimento. Só na África, onde a situação é mais grave, metade dos que tem entre cinco e 14 anos trabalha.

Uganda, no centro do continente, serve de infeliz e clássico exemplo. O conflito que atinge há 19 anos a região Norte do país fez com que quase uma geração inteira de crianças tenha se perdido: mais de 20 mil foram forçadamente recrutadas a trabalhar para os guerrilheiros do Exército de Resistência dos Lordes (LRA, na sigla em inglês), estima a Unicef. Mas mesmo as que conseguiram escapar ou foram desmobilizadas estão em risco. Segundo denúncias publicadas na imprensa local, as crianças estão voltando para os campos de batalha, agora para lutar nas filas do Exército.

O próprio porta-voz da instituição, o major Shaban Bantariza, admitiu na semana passada a ocorrência do fato:

- Entre dois males, eles escolhem o menor - justificou. - Não há alternativa de emprego, para onde podem ir?

A dificuldade de acesso às áreas de combate, onde acredita-se que essas crianças estejam, impede que a Unicef e outras ONGs façam estimativas de quantas já foram cooptadas pelos militares.

O sul-coreano Chulho Hyun, responsável pelo departamento de Comunicação da Unicef no país, diz que o problema está sendo monitorado, mas admite que o Exército é, de fato, muito atraente para estas crianças.

- De um lado, há as dificuldades encontradas na hora de voltar e do outro a relativa estabilidade e proteção que oferecem - comenta, por telefone, ao JB. - Mas não existem dúvidas: é ilegal, uma violação às leis internacionais, é isso que temos manifestado ao Exército.

Devido ao conflito no Norte, 1,5 milhão de pessoas se deslocaram a outras áreas do país.

- Quando esses meninos voltam para casa, já não encontram a comunidade, a casa e o lugar onde viviam. A infra-estrutura não existe, faltam escolas e postos de saúde - afirma Hyun. - Eles têm de enfrentar os desafios psicológicos e de falta de oportunidades.

Já as meninas encontram um cenário ainda menos alentador. Quase sempre voltam com filhos ou grávidas - após terem sido usadas como escravas sexuais pelos guerrilheiros - e são obrigadas a enfrentar a discriminação da comunidade e da própria família por serem mães adolescentes e solteiras.