Título: Inflação ao sabor da conveniência
Autor: Totinick, Ludmilla
Fonte: Jornal do Brasil, 27/06/2008, Economia, p. A17

Governo manda suspender as projeções de alta nos preços feitas durante 22 anos pelo Ipea.

Com agências

Por determinação do governo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) suspendeu uma tradição mantida há 22 anos: as previsões trimestrais de alta dos preços no país. A decisão coincide com as estimativas de crescimento da inflação feitas pelo Banco Central, que ameaçam romper o teto da meta de 6,5%. Agora, os números só serão mostrados uma vez por ano, ou quando houver mudanças no cenário já projetado. Márcio Pochmann, presidente do Ipea, negou que houvesse censura.

A decisão foi tomada pela diretoria colegiada do instituto, vinculado ao Núcleo de Assuntos Estratégicos, dirigido pelo ministro extraordinário Roberto Mangabeira Unger. O argumento para a suspensão é que o Ipea deveria se ater a análises estruturais do crescimento econômico de longo prazo e só divulgar estimativas de inflação "quando for necessário", nas palavras do coordenador do grupo de Análise e Previsões do instituto, Miguel Bruno. O Ipea alega que os dados servem de instrumento de especulação.

¿ A questão é como explicitar variáveis estruturais para inferir dinâmicas de longo prazo para o desenvolvimento e não para carteira de ativos ¿ disse Miguel Bruno, em referência ao mercado financeiro.

¿ Os números existem, mas não é mais conveniente divulgá-los. Não alimentaremos mais projeções de inflação a todo instante.

Por 22 anos, o instituto costumava divulgar um Boletim de Conjuntura a cada trimestre, com análises das principais variáveis macroeconômicas e projeções para o ano. Com a mudança na diretoria no ano passado, o documento foi substituído por uma Carta de Conjuntura, que mantinha a análise de indicadores como emprego, inflação, comportamento do setor externo, entre outros. Em março, a metodologia já havia mudado com a adoção de intervalos.

Liberdade de expressão

O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) foi estimado na faixa de 4,2% a 5,2% para este ano. A expectativa de inflação foi mantida de 4,3% a 5%. Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada já chega a 5,6% segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, disse que não há mudança, pois a divulgação das projeções trimestrais não era atribuição do instituto, mas de outros órgãos do governo como o Ministério da Fazenda e Banco Central.

¿ O foco do Ipea é o longo prazo. Está preocupado com o desenvolvimento nacional, como fazia nos anos 60 e 70 ¿ alegou Pochmann. ¿ Nosso objetivo é

focar nas pesquisas de médio e longo prazo.

Para o presidente do Ipea, o o monitoramento de curto prazo muitas vezes é alterado quando se desconecta com os dados e não condiz com a realidade e, segundo ele, pode gerar especulação.

¿ Não há censura. O nosso foco é o longo prazo e o desenvolvimento do país ¿ repetiu Pochmann.

O Ipea só vai divulgar as projeções em março e que elas somente serão revistas caso seja comprovado que elas estão erradas. Segundo o diretor de Estudos Macroeconômicos do instituto, João Sicsú, a necessidade de revisões no curto prazo só se aplica para órgãos responsáveis pela política monetária ou por instituições do mercado financeiro.

¿ Nossa idéia é não só reconhecer que economistas erram, mas explicar o erro. Todas as vezes que essas previsões forem confirmadas pela realidade ou a realidade desmenti-las, vamos apresentar justificativas do acerto ou do erro ¿ disse Sicsú.

Miguel Bruno, coordenador do grupo de Análise e Previsões do Ipea, enfatizou que o fato de deixar de divulgar a projeção trimestralmente não significa que o Ipea não trabalhe com variáveis mais recentes.

Técnicos do Ipea afirmaram ter novas projeções, mas elas não serão divulgadas. Segundo Sicsú, como pessoas físicas eles podem fazer estudos independentes, mas que não refletem a posição do instituto.