Título: Há 40 anos, a didatura tirava Frente Ampla da cena política
Autor: Nunes, Yacy
Fonte: Jornal do Brasil, 28/06/2008, País, p. A6

Movimento contra o regime militar reuniu adversários históricos.

O ministro da Justiça, Gama e Silva, assinou a proibição da Frente Ampla, em portaria divulgada no Diário Oficial, há 40 anos. O ato deu respaldo ao general Costa e Silva ¿ empossado na Presidência da República em 1967 pela via indireta com o aval do Congresso ¿ para cassar em dezembro de 1968 pelo AI-5 amigos e admiradores de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda. Inimigos políticos até o golpe militar de 1964, eles resolveram se unir, a partir de 1966, para lutar pela redemocratização.

O movimento deixou para trás mágoas e ressentimentos. Descontentes com o inflacionário, violento e policialesco rumo do regime, políticos, intelectuais, artistas e empresários vítimas da ditadura deram as mãos a ex-simpatizantes do golpe.

Cassado pelo AI-5, em abril de 1969, o empresário Mauro Magalhães, ex-líder da UDN na Assembléia Legislativa, é presidente da Sociedade de Amigos de Carlos Lacerda há 15 anos. Ao contrário do que se pode imaginar em relação a lacerdistas, ele afirma considerar como ídolos históricos, além do ex-governador do antigo Estado da Guanabara, os ex-presidentes JK e Jango.

Eleições em 1965

Autor do livro O sonhador pragmático, sobre Carlos Lacerda e a Frente Ampla, ele afirma que a maioria dos udenistas que defendeu a derrubada de João Goulart pensava que haveria eleições em 1965.

¿ A votação para a presidência foi suspensa por causa da prorrogação do mandato do marechal Castello Branco ¿ afirma o ex-deputado estadual pelos extintos UDN e MDB. ¿ A chegada de Costa e Silva ao poder, decidida por uma Junta Militar e com o consentimento do Congresso, foi o estopim para que os principais líderes populares do país ( JK, Jango e Lacerda) se rebelassem e tentassem a pacificação histórica.

A aproximação das lideranças teve a ajuda suprapartidária de personagens que, a partir daquele momento, aprenderam a respeitar suas diferenças. Conservaram a amizade nos anos seguintes. Os sobreviventes mantém as ligações de afeto até hoje. A maioria perdeu os direitos políticos.

Houve prisões e até mesmo torturas. O ex-deputado e líder sindical do antigo PTB, José Talarico, ainda se recupera de problemas de saúde e da perda da audição, decorrentes das 28 vezes em que foi preso pela Polícia do Exército.

Mauro Magalhães conheceu Lacerda na campanha de 1962, em um comício na Favela do Esqueleto, onde fica hoje a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), construída, depois, na gestão de Negrão de Lima. Simpático e empreendedor, o empresário foi dono da Imobiliária Nova Iorque, junto com o irmão Fernando. Mineiro, veio morar no Rio em 1940, com a família. O pai era ficheiro do Cassino de Niterói e depois trabalhou nos Cassinos do Quitandinha, em Petrópolis, e no da Urca, no Rio de Janeiro.

¿ Quando o presidente Eurico Dutra mandou fechar os cassinos, por influência de sua mulher, dona Santinha, ficamos todos sem dinheiro ¿ diz o ex-deputado. ¿ Meu pai perdeu o emprego. Tive que trabalhar de entregador de marmitas. Mais tarde, virei corretor de imóveis. Ganhei até um prêmio por isso. Estudei, depois, contabilidade e administração de empresas.

Oratória famosa

Admirador dos discursos de Lacerda, o ex-deputado filiou-se à União Democrática Nacional em 1961 por sugestão dos jornalistas Jorge Guilherme Pontes, Alberico Amorim, Ruy Porto, Pedro Muller, Sérgio Cinelli, Kleber Lopes e Roberto Silva, que trabalharam com Carlos Lacerda no Correio da Manhã e na Tribuna da Imprensa.

Carioca de Vila Isabel, foi para o MDB quando os militares extinguiram os partidos, em 1966, e todos foram obrigados a optar contra (MDB) ou a favor (Arena) do regime. A primeira edição de O sonhador pragmático foi publicada em 1993.

O novo livro, de 2008, traz fotos inéditas do ex-governador com Castello Branco, em visita às obras do Túnel Rebouças. Algumas fotografias são de Fernando Bueno, que trabalhou no Palácio Guanabara, do acervo da família Lacerda (com o presidente Kennedy, em Washington), do colunista Carlos Leonam ( das pazes com Jango, em Montevidéu, ao lado de Renato Archer) e de jornais ( com JK, no encontro em Lisboa, que selou a Frente Ampla) da época.

Traido pela UDN, quando seus integrantes resolveram não realizar as eleições de 1965, o ex-candidato presidencial driblou a censura que sofreu ¿ ele sempre tinha agentes do Doi-Codi por perto ¿ em mensagens que inseria nos discursos proferidos em pequenas reuniões promovidas por amigos.

Um desses encontros foi para homenagear Raul Brunini (atualmente com 93 anos). O ex-deputado foi o segundo mais votado (Chagas Freitas ficou em primeiro lugar) para a Câmara Federal em 1966. Tomaria posse em Brasilia, dias depois. A homenagem aconteceu às vésperas da saída de Lacerda do governo estadual (o sucessor foi Negrão de Lima). Pouco antes de Costa e Silva assumir o comando, no Palácio do planalto.

¿ Cabe ao deputado Raul Brunini levar a Brasília a mensagem da Frente Ampla ¿ disse Lacerda em discurso gravado por amigos. ¿ A Revolução de 1964 destruiu-se a si mesma, na medida em que seus aproveitadores consolidaram o domínio das oligarquias.

O rompimento de Lacerda com Castello foi "decisivo para o papel histórico que desempenhou naquela fase", diz Mauro:

¿ É importante que as gerações do futuro conheçam mais sobre a Frente Ampla e olhem para o personagem lacerda sem preconceitos e patrulhamento ¿ ressalta.

"A Frente Ampla partiu da verificação que fiz à própria custa. Assim, como o aliado de hoje pode ser o inimigo de amanhã, o inimigo de ontem pode ser o aliado de hoje", disse Lacerda em um trecho do artigo "O que há por trás da Frente Ampla", inserido na nova edição.

O texto do discurso de Lacerda e outros documentos anexados por Mauro Magalhães na obra lançada esse ano pertencem ao arquivo do jornalista Walter Cunto. O ex-assessor de imprensa do ex-governador no Palácio Guanabara morreu há três anos e deixou para o autor todos os documentos que guardou durante as últimas cinco décadas.

Lacerda morreu em maio de 1977, magoado com maioria da UDN e com os militares que ajudou, na fase que antecedeu a deposição de Jango. A situação do protagonista já era complicada antes de 64, afirma Magalhães. A pré-convenção de abril de 1963, em Curitiba, foi organizada em torno de Magalhães Pinto, ex-governador de Minas, banqueiro e ex-Ministro de Costa e Silva.

¿ Mesmo assim, Lacerda venceu a disputa ¿ explica o ex- líder lacerdista na Assembléia Legislativa do Rio. ¿ Teve seu nome homologado na convenção de novembro, em 1964. Castello e outros generais prometeram restabelecer as eleições presidenciais, em 1964. Mas isso não aconteceu.

Cassação e orgulho

Orgulhoso de ter sido cassado por Costa e Silva, o autor divulga, ao final da obra revisada, uma dedicatória assinada em 12 de outubro de 1975 por Juscelino Kubitschek, morto em agosto de 1976. No texto que recebeu o título de Porque construi Brasília, JK dedicou ao ex-udenista a seguinte observação: "Ao meu querido amigo Mauro Magalhães, como eu condecorado pelo esforço que fizemos em benefício de nossa pátria. Tenho certeza de que seus cinco filhos se orgulharão do nome que você lhes lega. Afetuoso abraço, Juscelino Kubitschek".

¿ A escrita de JK foi a melhor lembrança que pude guardar da Frente Ampla ¿ admite Magalhães. ¿ Adorei ficar amigo da turma de Jango e de Juscelino, pessoalmente.

O ex-deputado José Barbosa, 90 anos, getulista e amigo da turma de Jango, do PTB histórico, extinto com o golpe militar, também escreve um livro sobre a Frente Ampla:

¿ João Goulart, Lacerda e JK são personagens importantes. Precisam ser conhecidos pelas gerações do futuro ¿ afirma.