Título: Senado: uma ilhade não-eleitos
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 28/06/2008, Opinião, p. A8

Trafega nas pistas do absurdo o avanço de suplentes que ocupam as cadeiras do Senado brasileiro. Há cerca de dois anos, no início do atual mandato, a proporção pouco passava de 10%, hoje o índice praticamente dobrou de tamanho e caminha, em compasso firme, para atingir o triplo. Em breve, portanto, um terço da Casa será ocupada por senadores não-eleitos pelo voto. Uma marca intolerável. Das 81 cadeiras, quase 19% estão ocupadas hoje por suplentes. Os senadores Raimundo Colombo (DEM-SC), Katia Abreu (DEM-TO) e Fernando Collor (PTB-AL) se afastarão para cuidar das campanhas municipais em seus Estados. Com efeito, 20 suplentes exercerão o mandato ¿ 24,6% do Senado.

Não é exagero imaginar aqui que a exceção se tornará a regra no modelo de representação do Senado, previsivelmente uma ilha de poucos eleitos rodeada de sem-votos por todos os lados. Uma excrescência, posto que revoga um princípio vital da democracia. Afinal, não é digna do nome uma democracia sem voto. Pode até haver voto sem democracia ¿ de cabresto, vendido, indireto, todos eles efeitos colaterais de um sistema imperfeito, aquele que o britânico Winston Churchill disse ser o pior, excetuado todos os demais. Parece ruim, mas é o que o temos (e já é muito).

O fato é que não vai bem um sistema no qual o voto é peça irrelevante do progresso político. Suplente de senador, dispensável sublinhar, é alguém que não recebeu nenhum voto, a não ser o do titular ¿ sem considerar que às vezes nem o dele, pois pode ser imposto por conveniências partidárias. Na maioria dos casos, porém, a parceria entre titular e suplente privilegia amigos, parentes, funcionários, aliados políticos e financiadores de campanha. Basta lembrar que dos 81 senadores eleitos em 2006, cerca de 20% receberam doações de campanha dos suplentes.

A conveniência produz dividendos eleitorais consideráveis. Definitivamente, o beneficiário não é o eleitor. Suplente, afinal, não vem a público para convencer o eleitor. Não se candidata. Não expõe suas idéias. Não se faz conhecer. Até que, por sorte ou conveniência, ganha assento no Senado.

Ao tempo do bipartidarismo, vigorava o sistema das sublegendas nas eleições majoritárias. Dentro do mesmo partido, podiam concorrer, no caso do Senado, até dois candidatos por cada uma das sublegendas. O mais votado assumia e o segundo mais votado era o primeiro suplente. A regra permitiu que, em 1982, ao eleger-se governador de São Paulo, o senador Franco Montoro tivesse sua vaga ocupada por seu suplente Fernando Henrique Cardoso, o segundo mais votado nas eleições de 1978 para o Senado. Ambos eram do PMDB.

Na legislação atual, no entanto, o convite à negociata eleitoral é evidente. A artimanha do compadrio precisa ser eliminada. Em 1995, o projeto de lei proposto pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que propunha eleições diretas para suplentes de senador foi rejeitado. Na época, considerou-se que "geraria complexidade desnecessária ao processo eleitoral" e provocaria "prejuízos no discernimento do eleitor". Diante das evidências do presente, contudo, só resta aderir à tese do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, para quem o "senador clandestino" é tão nocivo quanto o "biônico" do passado.

Várias propostas tratam do tema na Comissão de Constituição e Justiça. Há algumas sobre a extinção da suplência, outras que obrigam o suplente a ser votado, ou ainda as que defendem ser empossado o segundo mais votado. Fariam parte de uma desejada reforma política, que oposição e governo imaginam aprovar até o fim do ano. Reconhecido o histórico de promessas sobre um possível consenso em torno da reforma política, o risco é tornar-se mais uma das incontáveis ilusões vendidas no Congresso. Os beneficiários da nulidade do voto continuarão agradecendo.