Título: Maioridade muito questionada
Autor: Abade, Luciana
Fonte: Jornal do Brasil, 29/06/2008, País, p. A2

Brasília

No próximo dia 13 de julho o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completará 18 anos ainda causando polêmica. Criado pela Lei nº 8.069, é um marco jurídico que determina a responsabilidade dos governos e da sociedade de garantir os direitos das crianças de zero a 18 anos. Direito à educação, à alimentação, à convivência familiar, à integridade física, à profissionalização, à liberdade. Está tudo previsto nos 267 artigos. Mas, 18 anos depois, os números mostram que a realidade é bem diferente da imaginada. E, ao lado de tantas conquistas, apresentam-se enormes desafios.

Fruto imediato da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989, nas Organização das Nações Unidas (ONU), o ECA tornou-se referência de lei para o mundo. Na América Latina, foi fonte de inspiração de leis semelhantes em 15 países, entre eles a Venezuela e o Peru. Na Europa, a Alemanha foi uma das nações que também normatizou os direitos das crianças e dos adolescentes baseado no estatuto brasileiro. O Brasil, aliás, foi um dos primeiros signatários da convenção, assinada por quase 200 países.

Comemorações

Para a relatora do projeto de lei que instituiu o ECA, deputada Rita Camata (PMDB-ES), apesar dos problemas, há muito o que comemorar:

¿ O estatuto é positivo. Principalmente porque proporcionou a criação de políticas públicas voltadas para esta faixa etária. É uma lei de vanguarda.

Rita, no entanto, reconhece que, de outro lado, ainda há muito a ser feito, principalmente no que se refere às questões preventivas e punitivas. As medidas sócio-educativas são apontadas por ela como o maior desafio.

O ECA determina que as medidas de internação e semi-liberdade devem ser aplicadas apenas em casos excepcionais, mas mapeamento inédito a ser divulgado nos próximos dias pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República sobre a aplicação de medidas sócio-educativas mostra que 15 mil jovens infratores cumprem as medidas em meio fechado. Dentre eles, 46,6% foram condenados por roubo, 17,2% por furto e 10,5% por tráfico.

São Paulo é a capital que conta com o maior número de jovens infratores cumprindo medidas sócio-educativas em meio aberto. São 4.738. O Rio de Janeiro ocupa o quinto lugar, com 1.181. Com isso, é possível constatar a resistência dos juízes cariocas em aplicar esse tipo de medida. Em todo o país, são 45 mil jovens cumprindo medidas sócio-educativas em meio aberto.

O estatuto prevê a erradicação do trabalho infantil. No entanto, mais de cinco milhões de crianças de cinco a 17 anos trabalham no Brasil. O dado corresponde a 11,5% do total de pessoas desta faixa etária.

Os números da violência contra crianças e adolescentes são assustadores. Relatório do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) mostra que os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Crea) atenderam, em 2006, 63.099 menores vítimas de violência: 36,15% correspondem a abuso sexual, 10,80% exploração sexual, 21,12% negligência, 18,07% violência psicológica e 13,84% violência física.

Existem inúmeros estudos sobre a violência contra a criança, mas todos estão aquém da realidade, como garantem os especialistas ouvidos pelo JB. Principalmente no que se refere a questão da violência sexual, ainda tratada como um tabu pela sociedade. Para este crime, especificamente, não existem nem estimativas.

A convivência familiar também é garantida pela lei, mas cerca de 80 mil crianças vivem em abrigos. Nesse ponto o descumprimento é duplo: Além de não estarem no convívio de uma família, mesmo que substituta, aproximadamente 42 mil delas estão institucionalizadas por situação de pobreza. Um exemplo claro da negligência do Estado e dos gestores estaduais e municipais.

Oito mil crianças estão na fila para adoção. Estima-se um número ainda maior de pessoas que querem adotar. A equação não fecha porque só agora a Justiça vai criar um cadastro único da adoção. Também não fecha porque em muitos municípios o processo é extremamente burocrático e porque muitas vezes se escolhem filhos como se escolhe carros.

É impossível eximir a sociedade do quadro social que se apresenta. Porque na maioria das vezes, insiste em não olhar e, quando o faz, finge que não vê. É impossível, também, negar a importância e os avanços do Estatuto.