Título: Classe política discute se fará plebiscito para mudar a Carta
Autor: Falcão, Márcio
Fonte: Jornal do Brasil, 29/06/2008, País, p. A9

Um dos pontos polêmicos postos à mesa é o quorum de três quintos

Márcio Falcão

Brasília

A reforma política já entrou para o rol de matérias consideras tabus no Congresso. São sempre anunciadas como prioridade, mas na prática acabam repousando nas gavetas da Câmara e do Senado. E falta boa vontade política tanto do governo quanto da oposição para fazer a matéria avançar. Líderes partidários dizem que agora a reforma só volta à pauta em 2009. Mas no que depender de alguns governistas, uma reformulação do sistema político nacional e uma reforma tributária, outra que virou lenda, amplas só ganham forma em 2011, com uma revisão constitucional.

A idéia foi lançada no ano passado por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) e aos poucos avança. Recebeu parecer favorável do relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). O texto já foi colocado em votação e um pedido de vistas do líder do PPS, deputado Fernando Coruja (SC), suspendeu a análise da matéria. A expectativa é de que a PEC seja votada pela CCJ na próxima quarta-feira.

Plebiscito

A PEC estabelece que será realizado um plebiscito questionando os eleitores se é preciso ou não uma mudança no sistema político e tributário do país em 2011. A revisão constitucional se daria apenas em caso da maioria optar pelo do "sim". A proposta de Dino estabelecia o plebiscito já nas eleições municipais de 5 de outubro ¿ data de comemoração dos 20 anos de promulgação da Constituição Federal ¿ mas o parecer de Picciani joga a consulta para as eleições de 2010, alegando que não haveria tempo suficiente para informar a população sobre o tema.

O ponto mais polêmico da PEC, no entanto, prevê que as alterações realizadas na Carta Magna sobre o modelo político e tributário do país passem a valer após o aval da maioria simples de deputados ou senadores ¿ ou seja, como votaram a maioria entre pelo menos 257 deputados (quorum mínimo) e 41 senadores. Atualmente, para uma emenda constitucional ter efeito é preciso que pelos menos três quintos de deputados e senadores assinem o texto. Para a oposição, a medida pode representar um golpe da base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confiantes de que continuarão em maioria depois de 2010.

¿ Mudar as regras do jogo é perigoso para os dois lados (governo e oposição) - provoca o líder do DEM na Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA). ¿ Os três quintos, hoje, permitem o equilíbrio da forças políticas. É preciso cuidado ao tentar forçar uma situação como esta: amanhã podemos ser governo.

Aperto

O governo passou por um aperto quanto a esta mudança de quorum há duas semanas. A pedido do Palácio do Planalto, que não queria assumir o desgaste de propor a volta da CPMF, o que só poderia ser feito por meio de uma PEC, os líderes governistas na Câmara insistiram em trazer o imposto do cheque, agora, chamado de Contribuição Social para a Saúde (CSS), por meio de um projeto que exige apenas maioria simples. O texto básico da matéria passou com aval de 259 deputados, margem considerada apertada, uma vez que foram apenas 2 votos a mais do que o mínimo necessário.

Ainda em relação à CPMF, no ano passado, no Senado, o governo também sofreu com a obrigatoriedade dos três quintos. O Planalto não conseguiu emplacar a continuidade do imposto até 2011, porque não conseguiu garantir em plenário os 49 votos ¿ seis governistas traíram. Para o autor da PEC, a teoria golpista da oposição se enfraquece pela própria Constituição. Quando foi criada, a Carta definiu que em 1993 seria aplicada uma revisão justamente por maioria simples.

¿ Não há nenhuma conspiração ¿ afirmou Dino. ¿ O que existe de verdade é a busca pelo aperfeiçoamento do maior ordenamento jurídico do país. São 20 anos de existência. Em 1993, a atualização não foi eficaz. Foram poucas adaptações. Agora, temos uma sociedade repaginada que precisa que seus direitos e deveres a acompanhe.

Dino argumenta que existe um descrédito dos parlamentares diante das inúmeras tentativas de reformas, em várias áreas, lançadas por diversos governos e que acabam engavetadas pela falta de consenso. Uma revisão constitucional, diz o deputado, não teria como ficar engessada.

¿ Seria a pressão social aliada a uma obrigação constitucional ¿ declarou Dino. ¿ Assim, não tem como dar errado. Hoje, as diversidades regionais acabam falando mais alto nas propostas de reformas e as articulações políticas acabam vencendo e deixando muitos dos textos sem chance alguma de ser votado pela falta de consenso.