Título: Lembranças da tragédia e esperança
Autor: Gustavo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 22/02/2005, Rio, p. A13

''Trabalhei a vida inteira para comprar aquele apartamento. Vendi um imóvel que tinha em Sulacap, pedi dinheiro emprestado para a minha mãe e quitei tudo em dezembro de 1997. Menos de dois meses depois, o que eu tinha era um calção e chinelos. Quando o prédio balançou de madrugada, várias pessoas foram até minha porta. Chamei o engenheiro Gerardo, que acabou morrendo, e conversamos. Fomos até a garagem e subi dizendo que as pessoas precisavam deixar suas casas.

Deixei minha família em casa e comecei a ir a bater de porta em porta para que os moradores descessem. Tive que arrombar as portas e toda vez que fazia isso um pouco de concreto caía. Tive que agredir alguns para que eles saíssem de casa. Gritei com muitas pessoas e outros empurrava na escada. Quando cheguei ao 17º andar, um soldado do Corpo de Bombeiros veio me avisar que um engenheiro da Defesa Civil municipal estava no térreo. Desci para encontrá-lo e dois minutos depois de chegar ao lado de fora do prédio, vi o Palace desabar. Não consegui correr e comecei a gritar pela minha família. Foi um alento saber que estavam vivos.

Fomos levados para um motel na Barra da Tijuca. Achei um desrespeito, uma humilhação. Voltei para o Palace e só saí de lá quando reconheci o último corpo. Minha mulher teve uma crise nervosa e sumiu. Ela só foi encontrada três dias depois em Marechal Hermes.

Agora, sete anos se passaram e eu nunca recebi um agradecimento. Acho que o Naya tinha que me agradecer. Dizer que a minha atitude evitou que centenas morressem. Costumo dizer que ali ganhei uma batalha e perdi a guerra, porque oito pessoas morreram. Eu não consegui chegar ao 20º andar, onde uma família dormia.

Logo depois que o prédio desabou, um advogado veio tentar fazer um acordo. Eu respondi que não negociava com moleque safado. Não posso perder a fé na Justiça, quero crer que vou receber. Mas o bem material não é o principal. Eu me sinto mal quando penso nos inocentes que morreram. Sou mais uma vítima.''