Título: Comércio exterior sem dólares
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Fonte: Jornal do Brasil, 01/07/2008, Economia, p. A17

Brasil e Argentina oficializam hoje desdolarização do intercâmbio comercial bilateral.

Tucumán, Argentina

Os governos da Argentina e do Brasil acertaram ontem os os últimos detalhes para adotarem suas próprias moedas e abandonarem o uso do dólares no intercâmbio comercial bilateral. Já preconizada na Medida Provisória 435, divulgada sexta-feira pelo governo, a mudança deve ser anunciada oficialmente hoje, na 35ª Cúpula presidencial do Mercosul, na cidade de Tucumán, na Argentina.

O mecanismo elimina a conversão da moeda local para o dólar, pelo importador, e do dólar para a moeda do país de exportação. Economistas calculam que em ambos os países os custos das operações no comércio cairão até 2,5%.

¿ Propiciamos a utilização de nossas próprias moedas e aspiramos poder estender isso a nível regional ¿ afirmou o chanceler argentino, Jorge Taiana.

Dificuldades

O acordo é considerado um marco para a moeda única, uma meta ¿ até agora utópica ¿ que tem sido mencionada no Mercosul (fundado em 1991) por mais de 10 anos.

No entanto, sabe-se que não é um processo fácil. Na Europa, as negociações para adoção do euro se estenderam por mais de 40 anos. As dificuldades que os europeus enfrentaram para isto ainda não foram completamente afastadas, de vez que até hoje a moeda da Inglaterra é a libra esterlina. Além disso, as políticas monetárias devem ser unificadas, o que exigiria um banco central único, segundo informações do Itamaraty.

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner já receberam os mecanismos propostos para que o fluxo comercial bilateral possa ser feito em pesos argentinos ou reais brasileiros, disseram fontes de ambos os governos.

A iniciativa foi lançada em julho de 2005 e demorou quase três anos para que se projetassem os sistemas de compensação monetária que serão aplicados pelos bancos centrais dos dois países.

O governo brasileiro implementou na sexta-feira um sistema de pagamentos em moedas locais do Mercosul, e a Argentina disse ter tudo pronto para colocar em prática este instrumento.

O Brasil acredita que os novos procedimentos comerciais com a Argentina poderão ser aplicadas em agosto ou setembro.

A utilização da moeda nacional não será obrigatória, mas facultativa, de modo que as transações em dólares também serão mantidas, segundo a fonte brasileira. Em princípio, o sistema seria aplicável unicamente para comércios de bens.

Argentina e Brasil acreditam que será um projeto piloto que pode ser utilizado por outros membros do Mercosul, que inclui o Uruguai, Paraguai e a Venezuela, esta ainda em processo de incorporação.

¿ Pode ser um pequeno movimento rumo a uma unidade monetária, disse uma fonte brasileira à Agência France Presse.

A Argentina e o Brasil concentram 80% do comércio do Mercosul. Em 2007, esse intercâmbio foi de cerca de US$ 25 bilhões e se espera que cresça para US$ 30 bilhões esse ano, segundo estimativas de ambos os governos.

¿ A Argentina completou a adequação normativa para começar as transações comerciais entre Argentina e Brasil usando moeda local, ou seja, pesos e reais, sem ter de converter ao dólar ¿ disse Eduardo Sigal, secretário para a integração latino-americana da Chancelaria argentina, em Buenos Aires.

Brasília e Buenos Aires concordam que as exportações podem ser feitas com maior simplicidade e se eliminarão custos financeiros que envolvem a conversão de dólares para pesos ou reais.

Os ministérios da Fazenda dos dois países disseram ter levado em conta que os empregadores, especialmente pequenas e médias empresas, pagarão muito menos em corretagem de câmbio.

Os bancos centrais de ambos os países abrirão linhas de crédito para cobertura às operações comerciais em suas respectivas moedas