Título: Tarifa de produtos agrícolas é criticada
Autor: Mancini, Claudia
Fonte: Jornal do Brasil, 01/07/2008, Economia, p. A18

Para pesquisador, taxar importados como forma de proteger produtor rural europeu não tem fundamento.

Bruxelas*

O repetido argumento da União Européia (UE) de que precisa aplicar tarifa de importação para produtos agrícolas com o objetivo de proteger o campo, de forma a evitar problemas como de segurança alimentar e de êxodo rural, não tem fundamento. Quem afirma isso é Valentin Zahrnt, pesquisador do Centro Europeu para Política Econômica Internacional (Ecipe, na sigla em inglês). Se todas as tarifas fossem cortadas, de 80% a 90% da produção européia ainda seria garantida, diz o pesquisador.

O Brasil é um dos países que mais sofrem com as barreiras tarifárias européias para produtos agropecuários. Segundo Shelby Matthews, conselheira chefe de política da instituição Copa-Cogeca (Comitê das Organizações Agrícolas Profissionais¿Confederação Geral das Cooperativas Agrícolas da UE), para carne bovina as tarifas chegam a 80% e para frango variam de 20% a 80%. A Copa-Cogeca representa 60 organizações de países da UE e 36 de outras economias da Europa ¿ só a confederação fala por 40 mil agricultores.

Apesar de reconhecer altas tarifas para alguns produtos, o que Shelby defende é o discurso protecionista com o qual os agropecuaristas da UE pressionam os negociações do bloco e que influencia suas posições em negociações com o Brasil na Rodada Doha da Organização Mundial do Comercio (OMC) e para um acordo Mercosul-UE.

Também não esconde o mau humor quando é confrontada com argumentos contrários ao protecionismo europeu. Numa conversa com um grupo de jornalistas brasileiros, disse que soja e café são os produtos agrícolas mais comprados do Brasil e sobre eles não há tarifas de importação. Alem disso, "90% do apoio doméstico em subsídios dados à agricultura não distorcem o comercio internacional", portanto, não ferem as regras da OMC.

Processo produtivo

Pekka Pesonen, secretário-geral da organização, afirma que, apesar das tarifas, a carne brasileira pena para entrar na UE em boa parte por uma questão de qualidade do processo produtivo. E que não acha justo defender um processo que, se fosse realizado na Europa, levaria o produtor para a cadeia. Em fevereiro deste ano, a UE barrou a entrada de carne in natura brasileira por não cumprimento de requisitos de rastreabilidade assumidos em 2002.

¿ Soja e café são os produtos agrícolas mais importados pela UE exatamente porque outros têm tarifas muito altas e não conseguem entrar no bloco ¿ diz Zahrnt.

Segundo o pesquisador, os cortes que a Europa propõe na Rodada Doha ainda manterão altas várias tarifas. Alem disso, o percentual de 90% de apoio doméstico sem distorcer o comércio não é um numero correto. Isso porque 45% do apoio ao campo europeu v~em de tarifas. Os outros 55% vêm do orçamento, no quais estão os subsídios.

Ocorre que não se sabe exatamente como esses subsídios interferem nas transações internacionais. Por exemplo: há agricultores que recebem apoio para manter a terra boa para cultivo, mesmo sem cultivá-las, mas são levados a produzir nelas.

¿ Essa produção distorce o comércio internacional ¿ diz o pesquisador. Quanto, ninguém sabe direito, porque não há transparência suficiente da UE para se calcular isso. Mas poderia gerar uma reclamação formal do Brasil na OMC.

Zahrnt, que ao defender o livre comércio agrícola é uma figura quase rara entre europeus, diz que o conceito de multifuncionalidade dado pela UE ao campo é válido. Por esse conceito, o setor deve ser pensado levando-se em conta fatores além das barreiras ao comércio, como meio ambiente.

¿ Mas não é preciso nem a CAP (Política Agrícola Comum) e nem uma CAP tão cara. Do orçamento europeu, cerca de 30% a 40% vai para a agricultura. Da maneira como a CAP está estruturada, e mesmo com as reduções de subsídios já implantados nos últimos tempos, o objetivo de atender o agricultor mais pobre não é atingido ¿ diz o Valentin Zahrnt.

Segundo ele, as tarifas protegem em geral o grande agricultor e por isso não evitam o êxodo. E como recursos são dados em parte com base em produções passadas, os pobres, que produzem menos, também levam menos ou nada.