Título: Trabalho e drogas andam lado a lado
Autor: Abade, Luciana
Fonte: Jornal do Brasil, 02/07/2008, País, p. A3

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ¿ 18 ANOS

Mais de 5 milhões de crianças se sustentam. Quem vive das ruas está mais exposto ao perigo.

brasília

Art. 60: "É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz".

Cinco milhões e cem mil crianças de cinco a 17 anos trabalham no Brasil. Entre elas, 5% já sofreram algum acidente de trabalho, enquanto a taxa desse tipo de acidente entre os adultos é de 3,2%. O Nordeste lidera o ranking dos Estados que mais usam mão-de-obra infantil. São 326 mil crianças trabalhando no Maranhão, 145 mil no Piauí e 330 mil no Ceará. Em números percentuais, correspondem a 17%, 17,4% e 15%, respectivamente, da população entre cinco e 17 anos. Meninas e meninos que trabalham nas ruas têm um problema adicional: ficam mais expostos às drogas ¿ as mais baratas e letais.

O Estado do Rio de Janeiro apresenta um dos menores percentuais de crianças no trabalho ¿ 4%, o correspondente a 126 mil crianças. Para o coordenador da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Renato Mendes, por se tratar de um dos Estados com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), é extremamente alto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que está às vésperas de completar 18 anos, proíbe, sob qualquer forma, que crianças e adolescentes com menos de 14 anos de idade trabalhem. Adolescentes de 14 e 15 anos podem trabalhar, desde que estejam inseridos em atividades relacionadas à qualificação profissional, na condição de aprendizes. Essas atividades não podem ser noturnas, perigosas e insalubres.

Além de roubar o tempo da infância, trabalhar cedo demais faz mal à saúde. E os riscos variam muito. Na produção de fumo e abacaxi, por exemplo, elas estão sujeitas a pneumonia, hantavirose, intoxicação, envenenamento, câncer de pele e urticárias. Na manutenção e limpeza de motores e componentes de tratores, podem sofrer ferimentos ou mutilações. Na colheita de cítricos, queimaduras na pele e apagamento de digitais.

Atividades proibidas

Essas são apenas algumas das 109 atividades que passaram a ser proibidas desde o último dia 12 de junho, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto que estabelece a lista das piores formas de trabalho infantil. O decreto tem como principal objetivo proteger o trabalhador adolescente e o aprendiz, na faixa de 16 e 18 anos de idade, principais ocupados nas piores formas de trabalho.

Além da falta de políticas públicas adequadas, a resistência da sociedade é apontada pelos especialistas como uma barreira no enfrentamento desse problema.

¿ Em vez de denunciar, as pessoas se compadecem e compram a mercadoria das crianças que vendem na rua ¿ critica Mendes. ¿ Além de compaixão, é a lógica do mercado, os produtos são mais baratos.

¿ A luta contra o trabalho infantil não pode ser uma ação isolada do Estado. Precisa, necessariamente, de uma mudança cultural da sociedade ¿ acredita Isa Oliveira, coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. - Em geral, as pessoas mais velhas e com menor escolaridade não vêem problema nas crianças trabalharem. Porque, em grande parte, o fizeram enquanto crianças.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2006 comprova: 28% das famílias com crianças trabalhadoras tinham, em média, menos de um ano de escolaridade, 20,8% tinham de um a três anos de escolaridade e 30,3% de quatro a sete anos.

No entanto, muitas mulheres que sofreram, depois de adultas, aborto natural, não imaginam que são conseqüência dos trabalhos inadequados que exerceram quando eram crianças.

De acordo com Isa, a criação do ECA proporcionou uma mobilização no Brasil pelo fim do trabalho infantil, mas o combate estagnou-se nos últimos anos. A ampliação do turno escolar é, na opinião da coordenadora, a melhor maneira de combater o trabalho infantil.

¿ A idéia de fundir o programa Bolsa Família com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) era permitir que os recursos do Peti fossem usados, basicamente, para investir na educação continuada, mas não está acontecendo ¿ denuncia.

O trabalho infantil doméstico costuma ser negligenciado nas ações empreendidas contra o trabalho infantil tanto no plano nacional, quanto internacional. É uma atividade oculta que precisa, basicamente, de denúncia para ser combatido.

A região Sudeste é a que mais apresenta situação de trabalho infantil doméstico: 27% das crianças e adolescentes trabalhadoras estão nessa atividade. Em seguida vem o Centro-Oeste com 24,2%, seguidos do Sul (15,3%), Nordeste (11,4%) e Norte (10,3%).

A região Sudeste também é onde a população de cinco a 17 anos mais trabalha: são 29,5 horas por semana. Em seguida vem o Centro-Oeste, com 29,3 horas. E em terceiro lugar estão empatados o Norte e o Sul, com 25 horas.

Falta de conscientização

Para a coordenadora nacional de Combate ao Trabalho Infantil do Ministério Público, procuradora Mariza Marotti, a grande dificuldade no combate ao trabalho infantil no Brasil é a falta de conscientização da população que não costuma denunciar. Na maioria das vezes porque não consegue discernir o que é trabalho infantil.

¿ Além de ação repressiva, o Ministério Público tem investido nas ações preventivas ¿ explica a procuradora. ¿ Em São Paulo, por exemplo, fechamos uma parceria com as secretarias municipais de Educação para que esse tema seja tratado nas escolas.

Trabalho infantil e educação, aliás, são inversamente proporcionais. Por não verem perspectivas na Educação, muitas crianças e adolescentes optam por trabalhar mais cedo e, com isso, perpetuam o ciclo de pobreza da família.

A presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Luiza Moura, acredita que que é preciso pôr fim à crença de que o trabalho infantil é uma virtude para crianças e adolescentes na marginalidade.