Título: Brasil terá dificuldades comerciais
Autor: Camarão, Rodrigo
Fonte: Jornal do Brasil, 02/07/2008, Internacional, p. A21

Analistas apostam que presidência francesa manterá barreiras e subsídios elevados.

Bruxelas

Com o presidente francês Nicolas Sarkozy, assumiu hoje a União Européia uma nova agenda de prioridades, e brasileiros envolvidos na negociação de acordos bilaterais entre o país e a Europa não têm grandes esperanças. "Não se pode esperar muito da presidência dele", diz um brasileiro com trânsito entre os europeus. Talvez, acrescenta, na próxima presidência, ano que vem, com a República Tcheca.

O cerne da questão é que Sarkozy já deixou claro que não é favorável ao que considera abertura excessiva ao comércio para países fora da UE defendida por Peter Mandelson, comissário responsável pelo comércio exterior do bloco. O Brasil, por sua vez, acha que as barreiras e subsídios ainda são muito elevados.

Na mente de Sarkozy está a necessidade de proteção dos produtores europeus, em especial os franceses. Na agenda, estão assuntos polêmicos como a normatização da imigração, a questão da defesa e o fator Irlanda. Já nos próximos dias, o presidente francês embarca para Dublin para tentar convencer o país a ratificar o Tratado de Lisboa, uma nova Constituição para uma União Européia que precisa se auto-afirmar junto à população dos 27 países membros.

Embora técnicos e ministros dos dois países tenham reuniões marcadas ao longo do ano, o encontro pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Sarkozy está marcado apenas para dia 22 de dezembro, no Rio de Janeiro, nove dias antes de o francês deixar a presidência rotativa do bloco. "É um começo", resignam-se alguns brasileiros envolvidos no processo de negociação comercial com a UE.

Entre as perspectivas com o bloco europeu está a chamada parceria estratégica ¿ na qual integrantes das duas partes têm acesso mútuo facilitado e elaboram um plano de ação conjunta. Esse privilégio foi conseguido pelo Brasil na Europa há pouco tempo, e a pauta de reivindicações brasileiras vai da energia ao meio ambiente, passando pela área de pesquisa e desenvolvimento.

Lobby

Se o presidente Lula aproveita todas as oportunidades para falar dos biocombustíveis e da falta de relação entre as plantações de cana-de-açúcar no Brasil e o aumento de preço dos alimentos no mundo, a missão brasileira em Bruxelas trabalha nos bastidores. Direto no Parlamento Europeu, que deve avaliar, possivelmente na segunda-feira, no plenário de Estrasburgo (França), duas diretrizes que pretendem criar regras para a importação dos produtos. Embora ninguém acredite realmente que a ambiciosa proposta da UE de ter 10% de energias renováveis nos carros europeus até 2020 vá se sustentar mesmo até o ano que vem, a Europa não deixa de ser um imenso mercado para o produto brasileiro.

O Brasil recolhe assinaturas de outros produtores como Argentina, Malásia, Maláui e Indonésia para tentar convencer e sensibilizar Claude Tormes e Dorete Corbey, relatores de projetos de biocombustíveis no Parlamento. O país já ratificou nove dos 10 pontos levados em conta no processo enquanto os EUA, por exemplo, não assinaram nenhum.

A favor do Brasil conta ainda a pressão dos preços do petróleo, acima de US$ 140 e a imensa dependência da Europa por importação de energia, que chega a 50% do total consumido. Conta ainda o discurso verde encampado pela UE de que deve haver "sustentabilidade", e "preservação da biodiversidade" ¿ leia-se não desmatar a Amazônia ou destruir o cerrado.

¿ A missão foi ouvida no Parlamento. Trabalhamos sobre cada item e palavra redigidos nas duas diretrizes para evitar que sejam barreiras ao comércio brasileiro de biocombustível na Europa ¿ conta a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, que comanda, em Bruxelas, a missão brasileira na comunidade européia.

Em abril, a poderosa União da Indústria de Cana-de-Açúcar no Brasil (Única) abriu um escritório em Bruxelas ¿ depois de instalar uma representação em Washington ¿ para acompanhar a questão de perto. Para o posto, designou um francês, Emmanuel Desplechin.

¿ Ninguém melhor que um francês para entender como pensa um francês ¿ brinca Emmanuel.

Ele tem a missão de aumentar o consumo europeu do etanol brasileiro. Atualmente, um terço dos biocombustíveis usados na Europa vêm do Brasil.