Título: Xiitas vencem, mas sem maioria
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Fonte: Jornal do Brasil, 14/02/2005, Internacional, p. A7
Curdos ficam em segundo em eleição para Parlamento que escolherá primeiro-ministro, presidentes e vices
BAGDÁ - Uma aliança de grupos islâmicos xiitas conseguiu a maior parte dos votos na primeira eleição no Iraque desde a derrubada de Saddam Hussein, selando o ressurgimento da maioria oprimida da nação. A Aliança Iraque Unido (AUI), recebeu 47,6% dos votos. No entanto, a porcentagem foi inferior aos 60%, que muitos esperavam, e deixa a Aliança com cerca de 130 cadeiras do Parlamento, menos do que se imaginava.
Os partidos em disputa têm três dias de prazo - a partir de ontem - para denunciar possíveis irregularidades e inclusive impugnar a apuração. Uma vez oficializados estes resultados, será feita a divisão das 275 cadeiras da Assembléia.
- Ainda não há cálculos de quantos postos os partidos conseguirão. Quando terminar a apuração, as cadeiras serão divididas segundo o número de votos recebidos por cada formação - esclareceu Adel al Lami, membro da Comissão Eleitoral Independente iraquiana.
No entanto, acredita-se que a AUI terá cerca de 130 assentos parlamentares, número que fica a oito da maioria absoluta. A segunda força parlamentar seria integrada pelos grupos curdos, com 71 cadeiras, enquanto a lista do primeiro-ministro em fim de mandato, Iyad Allawi, grande perdedor das eleições, deveria receber 37.
Isto porque uma coalizão dos dois principais partidos curdos ficou com 25,4% dos votos e o bloco liderado por Allawi conseguiu outros 13,6% do sufrágio.
Poucos sunitas participaram da eleição no dia 30 de janeiro. Isso significa que esta minoria, que tradicionalmente comandava o Iraque e mantinha uma posição privilegiada com Saddam, terá poucas cadeiras na Assembléia Nacional e pouco poder político.
A presença total de eleitores chegou a 8,55 milhões de pessoas, 58% dos registrados. O número de votos válidos ficou em cerca de 8,45 milhões. No entanto, esta participação foi desigual, pois variou entre a votação maciça nas províncias xiitas do Sul ou nas curdas do Norte e a pouca ou quase nula participação registrada nas províncias do Centro, onde os grupos sunitas tinham pedido o boicote das eleições.
O pleito nacional foi para a formação do Parlamento, que deve escolher um presidente e dois vices por uma maioria de dois terços. Os três escolhidos terão que, em seguida, entrar em um acordo sobre o primeiro-ministro e um gabinete, e suas escolhas precisam ser aprovadas por maioria na Assembléia Nacional.
O principal grupo árabe-sunita no parlamento provavelmente será o bloco liderado pelo presidente Ghazi al Yawar, embora deva ter apenas cinco cadeiras. O partido liderado pelo sunita Adnan Pacachi não deve ganhar nenhuma cadeira.
- Alguns não estão representados como se deveria na Assembléia Nacional - criticou Pacachi à rede Al Arabiya, fazendo alusão a seu grupo.
Em mais um sinal de tensões no futuro, os curdos da cidade de Kirkuk comemoraram o resultado, que mostrou eles com bastante vantagem no voto na província - um resultado que irritará os árabes e os turcos que também possuem direitos na cidade.
Como nenhum bloco obteve domínio sozinho, já existem furiosas discussões para estabelecer acordos.
A Aliança Iraque Unido insiste que um de seus candidatos - provavelmente o atual ministro das Finanças, Adel Abdul Mahdi, ou o vice-presidente, Ibrahim Jafari - seja o primeiro-ministro.
Já os curdos querem que o seu candidato, Jalal Talabani, seja presidente ou premier.
- Se um curdo assumir a presidência do Iraque, ficará provado que no novo Estado os curdos não serão tratados como cidadãos de segunda classe - justificou o vice-premier, Barham Saleh.
Entre os possíveis cenários, os blocos podem decidir por um candidato xiita para primeiro-ministro e Talabani para a presidência. Mas Allawi também pode tentar formar alianças para melhorar suas chances e manter seu cargo.
Mesmo que os sunitas sejam excluídos do governo, eles ainda podem vetar a nova Constituição do Iraque, que deve ser escrita este ano, provocando um beco sem saída político. Uma das principais tarefas da Assembléia Nacional é supervisionar o rascunho da Carta, a ser aprovada por um plebiscito.