Título: A fronteira entre o inferno e o purgatório
Autor: Máiran, Paula ; Victal, Renata
Fonte: Jornal do Brasil, 13/07/2008, Páis, p. A2

Palmares é livre, Carobinha enfrenta poder de milícia Cercado por todos os lados de favelas controladas por milicianos, o Conjunto Habitacional Jardim Palmares ­ fronteiriço à Carobinha ­ resiste como um enclave de liberdade democrática em Paciência, na Zona Oeste. Ainda que as ruas sejam esburacadas ou de terra batida, o mato cresça na praça pouco visitada pela Comlurb e as ruas pareçam sombrias sob a iluminação precária, os moradores respiram aliviados em um território livre de bandos armados e aberto às campanhas de todo candidato que se habilite. ­ Aqui não temos milícias nem tráfico. Somos uns prostituídos politicamente porque todo mundo pode vir aqui fazer campanha, mas ninguém cumpre as promessas que faz ­ explica o líder comunitário Geraldo Batista de Oliveira. ­ Nem os candidatos filhos daqui, que são uns três, acredito que levem vantagem por sua origem. As pessoas estão muito desiludidas e a promessas preferem votar por quem oferece uma bola e camisas de futebol ou qualquer coisa mais concreta e imediata. Ainda não há placas de qualquer candidato no endereço de cerca de 30 mil pessoas, a maioria de funcionários públicos, inaugurado em 1967. ­ A maioria dos candidatos daqui é muito pobre, por isso ninguém tem material ainda ­ esclarece Geraldo, na luta pelo voto consciente de sua comunidade. No conjunto, os moradores mais antigos confirmam o desencanto revelado por Geraldo. ­ Já não temos mais fé ­ confessa o funcionário público aposentado Fernando Nascimento Carneiro Lemos Ferreira, de 79 anos, no Jardim Palmares desde a sua fundação, agachado junto de um dos maiores buracos da Rua Soldado Arthur Starch. ­ Uma vez veio um aqui, recapeou quatro ruas e nunca mais voltou. Queria ao menos que viesse alguém recapear a minha rua, que já foi a mais bonita do conjunto. Quem vive de promessa é santo. Estado de restrição No território vizinho, nas fa- velas Carobinha e Nossa Senhora Maria das Graças, cerca de 18 mil moradores enfrentam situação bem contrastante. Somente uma candidata pode fazer campanha na comunidade: a filha de Jerominho, a Carminha Batgirl, apelido que ela renegou em reunião para esclarecimentos no TRE. Só entra na comunidade quem o grupo de milicianos autoriza. E este costuma eleger seus próprios candidatos, como Jerominho. A Carobinha foi ocupada por milícia em 2006. No ano passado, traficantes expulsos por milicianos da favela Batan, em Realengo, também na Zona Oeste, tentaram recuperar o território, mas foram rechaçados. Houve um conflito entre os dois grupos criminosos em agosto de 2007 que resultou em dez mortes de traficantes.(P.M.)

Voto de cabresto reflete o crime organizado Uma CPI apura na Assembléia Legislativa do Rio a extensão do poder das milícias na cidade. Para o presidente da CPI, deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), professor de História, milícias se caracterizam pelo domínio de territórios, de negócios nesses lugares, pela extorsão de taxas de segurança e, sobretudo, por sua representatividade política. Segundo Freixo, a milícia reflete a realidade de todo crime organizado, como um braço deste. ­ O crime organizado envolve uma questão econômica com desdobramento político ­ analisa Marcelo Freixo. Para o parlamentar, em tempos de currais eleitorais, as milícias levam vantagens em relação ao tráfico de drogas. ­ Traficantes mantêm controle de território nas favelas, mas nem sempre obtêm o controle de fato do voto. São um exército de esfarrapados. As milícias exercem controle mais eficaz e elegem os seus candidatos de fato. Na CPi das Milícias, Freixo já enfrentou o constrangimento de ouvir o depoimento de duas testemunhas sob a presença intimidatório do colega parlamentar Natalino, irmão de Jerominho e suspeito como ele de liderar milícias O juiz Luiz Márcio, da fiscalização do TRE, discorda de Freixo: ­ Não vejo diferença de gravidade na atuação do tráfico ou das milícias. Para mim trata-de de crime de qualquer modo ­ diz o magistrado e recorda: ­ Tanto o tráfico quanto as milícias impõem seu poder pela crueldade. Basta lembrar o caso do jornalista Tim Lopes, morto pelo tráfico no Complexo do Alemão, e de um mais recente, dos jornalistas seqüestrados e torturados na favela do Batan, em Realengo, na Zona Oeste, onde há suspeita de que também seja o comandante da milícia o vereador Jerominho. MILÍCIA ­ Geraldo Batista diz que o Jardim Palmares "se prostituiu"