Título: Inimigos, inimigos, negócios à parte
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 13/07/2008, Opinião, p. A10

NÃO VAI SER FÁCIL o caminho da reconciliação entre Hugo Chávez e Álvaro Uribe, que apertaram as mãos em um encontro na sexta-feira, na primeira das ações que buscam aplacar a tensão diplomática entre Venezuela e Colômbia. Para os mais otimistas, outro recado: eles são feito "água e óleo", como bem descreveu Riordan Roett, analista de América Latina da Johns Hopkins School of Advanced International Studies. Em outras palavras, provavelmente jamais serão amigos ou aliados. Talvez ainda ecoem na mente de Uribe os adjetivos "mentiroso, farsante, sem vergonha" usados pelo coronel venezuelano para descrevê-lo há apenas oito meses. E talvez Chávez tenha ficado irritado de ter de quebrar a promessa feita na mesma ocasião do resgate frustrado de reféns das Farc, quando disse que "enquanto eu viver, não voltarei a falar com Uribe". Na sexta-feira, contudo, estavam os dois lá ­ não tão sorridentes, mas ao menos gentis um com o outro, em Punto Fijo, cidade venezuelana que resume o motivo da volta ao diálogo: comércio, economia, dinheiro. Punto Fijo é a casa da refinaria Amuay, parte do Centro de Refino de Paraguaná, o maior do mundo, com capacidade de produção de 940 milhões de barris de petróleo por dia. Neste mesmo lugar, em 2005, Uribe e Chávez acertaram a construção de um gasoduto transfronteiriço, inaugurado ano passado na cidade colombiana do Puerto Ballena. As relações econômicas mantêm-se estáveis, sem os percalços da diplomacia conturbada. A metralhadora verborrágica de Chávez já mirou autoridades diversas, como o presidente do Peru, Alan García, o rei da Espanha, Juan Carlos II, e até a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Mas os alvos preferidos são George Bush e Uribe, presidentes dos Estados Unidos e da Colômbia, justamente os dois maiores par ceiros comerciais da Venezuela. É uma via de mão dupla: os EUA precisam comprar o pe tróleo venezuelano e Caracas precisa vender, para continuar financiando o "socialismo do século 21". É por isso também que apesar de todos dos xin gamentos e ironias, Colômbia e Venezuela nunca abriram mão do volume de negócios entre os dois países, que em 2007 chegou perto de US$ 6 trilhões de dólares, dos quais a maior parte é de vendas de produtos colombianos. Entre os acordos firmados em Punto Fijo, estão o aumento da cota de carros colombianos importados à Venezuela, a promoção e proteção recíproca de investimentos, um convênio para evitar a dupla tributação e um compromisso para facilitar a passagem de mercadorias pelos 2.200 quilômetros de fronteira em comum. Mas não foi só dinheiro que motivou o encontro ente os desafetos. Os dois se beneficiam politicamente com uma rea proximação. Para Chávez, a vantagem é clara. Ele passa por um momento de "rouquidão" no cenário latino, quase sem voz com a vitória de Uribe sobre as Farc, guerrilha colombiana que sempre apoiou. Para se fazer ouvir com respeito esta semana, o ve nezuelano teve de pedir o inimaginável: engrossar o coro para que as Farc não só libertem todos os reféns mas que abandonem a luta armada. Assim, tenta distanciar um pouco sua imagem da dos rebeldes marxistas que parecem estar perdidos na selva. Mesmo já fortalecido com a operação do Exército que libertou 15 reféns ­ entre os quais a ex-candidata à Presidência, Ingrid Betancourt ­ e que prendeu dois importantes guerrilheiros, Uribe também precisava da cúpula com Chávez para tentar neutralizar a imagem de "ditador" que a oposição sustenta, por ele ter tentado, antes do resgate, criar uma crise institucional na Colômbia ao colocar o Executivo contra o Judiciário. E no meio do aperto de mãos, lucra também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Chávez e Uribe sob controle significa um problema a menos com o qual se preocupar no continente.