Título: BC não ataca a raiz do problema
Autor: Totinick, Ludmilla
Fonte: Jornal do Brasil, 13/07/2008, Economia, p. E8

Taxa de juros tem efeito nulo sobre os alimentos, os maiores vilões da alta nos preços

Ludmilla Totinick

A taxa de juros, principal arma do Banco Central para tentar fazer com que a inflação volte ao centro da meta estipulada pelo governo, não atinge a maior causa do problema: o aumento do preço dos alimentos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 63% da inflação apurada em junho vêm do custo mais alto de produtos como feijão, arroz e carne, que sofrem mais influência de demanda da China ou problemas climáticos que da taxa Selic.

O problema não pára aí. Para Eulina Nunes, coordenadora dos Índices de Preços do IBGE, a insistência em se falar de inflação gera expectativa de aumento de preços no imaginário coletivo. O que não necessariamente corresponde à realidade.

¿ Isso acontece, principalmente, quando não se localiza exatamente o que ocorre com a inflação. E contribui para que os agentes econômicos se sintam muito à vontade para praticar aumentos de preços, mesmo que o setor não sofra influências ¿ ressalta Eulina. ¿ A inflação que o Brasil vivencia, nesses últimos meses, está concentrada na alimentação. Não percebemos nos aluguéis, nem nos combustíveis. A energia elétrica até reduziu a tarifa.

Na variação de 0,74% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em junho, os alimentos contribuíram com 0,47 ponto percentual. No ano, produtos agrícolas subiram 8,64% ou seja 52% do total apurado no semestre. Índice bem acima do de igual período do ano passado, cujo resultado foi de 3,93%. No ano passado, a inflação total fechou em 4,46%. A dos alimentos ficou em 10,79%.

¿ Se na metade do ano, temos 8,64%, chegaremos aos 10,79% facilmente ¿ prevê Eulina.

Para o diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Sicsú, não existe pressão de demanda sobre outros itens, ao contrário do que alega o Banco Central ao ressaltar que há "descompasso" entre a oferta e demanda.

¿ Não há pressão de custo ou de demanda nos demais itens. De fato, ela existe nos alimentos ¿ justifica Sicsú. ¿ Houve quebra de safra em diversas regiões do mundo e aumento de demanda.

Segundo o diretor do Ipea, a melhor forma de combater qualquer tipo de inflação é atuar sobre a causa. No caso específico dos alimentos, é aumentar a oferta.

"Ninguém deixa de comer"

No dia em que foi divulgado os números de junho do IPCA, quinta-feira, o presidente da autoridade monetária, Henrique Meirelles, reafirmou a política econômica de aumento de juros para trazer a inflação para o centro da meta de 4,5% até ano que vem.

¿ O BC avalia que a redução consistente do descompasso entre o ritmo da ampliação da oferta de bens e serviços e da demanda continua sendo elemento central na avaliação de diferentes possibilidades para a política monetária.

Eulina Nunes, do IBGE, ressalta que apenas a demanda interna não explica a alta nos preços dos produtos agrícolas.

¿ O setor alimentício tem demanda maior no mercado interno e externo propiciado pela renda maior ¿ explica a especialista. ¿ Os alimentos são commodities. O arroz está cotado em bolsa de mercadorias. E os preços sobem cada vez mais. Mesmo com grande produção no Brasil, o mercado internacional é quem dita os valores. Ninguém deixa de comer, mas, se for preciso, as pessoas deixarão de comprar automóveis, eletrodomésticos e bens duráveis em geral para comprar alimentos.

Eulina lembra que a população tende a mudar de hábito. Vai trocar marcas, escolher uma carne de segunda ou ainda cortar produtos da lista de compras no supermercado.

Crédito

Para o economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, que tem participado de reuniões com a equipe do governo e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir os rumos da política econômica, o BC deveria usar outras ferramentas para combater a inflação, e não apenas o aumento sistemático da Selic, hoje em 12,25%.

¿ O Banco Central usa o aumento das taxas de juros como única ferramenta para conter a inflação, em vez de responder com outros instrumentos ¿ critica Belluzzo. ¿ O aumento dos juros tem efeito muito negativo na taxa de câmbio, com a apreciação excessiva do real frente ao dólar, e atrapalha investimentos no país. O governo não utiliza os instrumentos que poderia.

Para ele, a cartilha que o BC deveria seguir traz o controle quantitativo do crédito, aumentar as reservas de empréstimo para bens duráveis e o desaquecimento da demanda. Entre as iniciativas, Belluzzo lembra que o governo só adotou a ampliação do superávit primário.

¿ Não é simples, não é fácil. É uma encrenca ¿ resume.

O economista da Fundação Getúlio Vargas, André Braz, tem opinião diferente. Ele diz acreditar que a inflação não está restrita aos alimentos.

¿ O aumento da taxa de juros pelo Banco Central é uma saída para que a inflação não finque raízes. A alta dos alimentos não pode ser contida pelo BC, já que o preço das commodities é determinado pelo mercado externo ¿ explica Braz. ¿ O setor de serviços também teve aumentos e há ainda outros segmentos que estão com elevação de preço.

Assim como outros economistas, Braz também sugere a contenção dos gastos públicos. Segundo ele, deve haver medida de controle permanente da máquina governamental. Também aposta no controle da facilidade do crédito. Também deveria ser regra a transparência na taxa de juros, para que o consumidor saiba o que realmente compra e quanto paga.