Título: Em nome do minério, do gás e do Espírito Santo
Autor: Camarão, Rodrigo
Fonte: Jornal do Brasil, 13/07/2008, Economia, p. E4

Como um Estado que estava no buraco recupera a confiança, acolhe as maiores siderúrgicas e mineradoras do mundo e se prepara para a primeira extração de petróleo do pré-sal no país

Rodrigo Camarão

O governador Paulo Hartung termina o prato de peixe ao Mediterrâneo ¿ um filé de badejo ao azeite e vinho ¿ senta-se no sofá e prepara-se para um assunto indigesto: o passado. Por 12 anos, o Espírito Santo, Estado que comanda desde 2003, esteve à deriva, reconhece. O crime organizado estava entranhado no poder público e a violência era tão habitual quanto a corrupção. Talvez como um resquício dessa época, o site do governo do Estado traga ainda hoje no topo da lista de serviços ao capixaba o link "Chame a polícia".

¿ Por três governos, o Estado teve problemas sem precedentes ¿ diz o governador, confortavelmente instalado na sala de estar da residência oficial do governo, em frente à bela Praia da Costa, em Vila Velha. ¿ A máquina estava desmontada, a arrecadação, aviltada. Tivemos de fechar os ralos da corrupção.

Um dos símbolos do que o governador reeleito em 2006 pelo PMDB fala responde pelo nome de José Carlos Gratz. Ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, foi preso no início de 2003 sob acusação de envolvimento com o crime organizado, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e alguns outros artigos do Código Penal.

A mudança começou com o que Hartung chama de "choque de ética". O novo governador cassou mais de 500 regimes especiais de tributação concedidos pela Assembléia Legislativa a todos os tipos de empresas do Estado. Hartung fez um esforço para afastar dos corredores dos órgãos públicos os tentáculos do crime organizado. As ameaças de morte começaram a aparecer, embora o governador não fale em nenhum momento disso.

Assumir um Estado nessa situação não deu medo?

¿ Naquela época, deu muito ¿ interrompe o deputado federal Lelo Coimbra (PMDB-ES), ex-vice-governador no primeiro mandato de Paulo Hartung e hoje presidente do PMDB do Estado.

De 2002 a 2007, a arrecadação só do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) subiu de R$ 2,3 bilhões para R$ 5,4 bilhões. A capacidade de investimento com recursos próprios pulou de R$ 49 milhões em 2003 para R$ 761 milhões estimados para este ano. De investimentos privados, o Estado espera receber R$ 15 bilhões até ano que vem em áreas como siderurgia e mineração, petróleo, gás e celulose.

¿ Saímos de um ciclo vicioso para entrar num ciclo virtuoso ¿ resume José Eduardo Azevedo, secretário de Economia e Planejamento do Estado.

Siderurgia

A mudança é patente no número de prédios residenciais em construção, tanto na capital Vitória quanto em Vila Velha, e na opinião de quem anda pela cidade.

¿ Não há milagre ¿ gaba-se o governador. ¿ Nós criamos um ambiente para a atração de investimentos no Estado. Recuperamos a credibilidade e isso se reflete no número de empresas que buscam o Estado para investir.

Mês passado, Paulo Hartung esteve na China para acertar uma parceria com a Baosteel ¿ o quinto grupo siderúrgico do mundo ¿ para a construção de um porto de águas profundas. Sozinho, o Espírito Santo escoa um terço da produção brasileira de minério de ferro, aço e pelotas pelas mãos de gigantes como Vale, ArcelorMittal, Samarco, BHP Billiton, além da própria Baosteel.

Petróleo e gás

Em 1º de setembro, Hartung tem marcada na agenda uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Estado para a inauguração dos primeiros 15 mil barris retirados da área pré-sal, no bloco Parque das Baleias. O óleo leve foi encontrado a uma profundidade inferior à dos já famosos Tupi e Carioca, que estendem-se do litoral capixaba a São Paulo e têm capacidade de tornar o Brasil grande produtor de petróleo.

O gás natural transforma o Estado numa espécie de Bolívia, com a produção de 8 milhões de metros cúbicos. Em fevereiro, começou a funcionar o gasoduto Cabiúnas-Vitória, construído em 18 meses pela estatal chinesa Sinopec Group, terceira maior companhia de petróleo do mundo. Com 303 quilômetros de extensão, passa pelos municípios fluminenses de Macaé, Carapebus, Quissamã, Campos dos Goytacazes, São Francisco do Itabapoana e os capixabas Presidente Kennedy, Cachoeiro do Itapemirim, Piúma, Anchieta, Guarapari, Vila Velha, Viana, Cariacica e Serra.

Do total do gás natural, ao menos 5,5 milhões de metros cúbicos alimentam as termelétricas do Norte Fluminense e enchem tanques de carros movidos a Gás Natural Veicular (GNV) nos postos do Rio.

Royalties

Apesar disso, o Espírito Santo recebe pouco mais de 10% do volume de royalties e participações especiais do que cabem ao Rio. Este ano, entraram nos cofres capixabas R$ 120 milhões com as duas rubricas, enquanto o governo Sérgio Cabral recebeu R$ 1 bilhão.

Hartung se mostra contra o recente debate sobre a mudança na distribuição de parcela dos royalties para Estados não produtores.

¿ Essa discussão começou de forma atabalhoada, mas está começando a tomar contorno ¿ opina. ¿ Parece que o debate caminha para focar no pré-sal. Defendo a manutenção de uma lei específica para essa área. Mas nenhum Estado pode abrir mão dessa arrecadação.

Uma lei estadual determina que 30% da parcela de royalties que chega ao Espírito Santo sejam distribuídos para municípios pobres que não recebem as compensações:

¿ O governo federal poderia fazer o mesmo com os Estados ¿ sugere o governador. ¿ Mas com a parte dele.