Título: Lula respeita prisão até de parentes, se houver culpa
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Fonte: Jornal do Brasil, 10/07/2008, País, p. A2

Ao atingir o coração do sistema financeiro, a Polícia Federal acabou dando combustível para uma nova ofensiva do governo Lula no combate à corrupção: amigos e parentes do presidente da República deixaram de ser figuras inalcançáveis pela lei.

­ O inquérito foi bem feito e sinaliza um combate frontal à corrupção e ao crime organizado. É determinação do presidente Lula que faça um combate sem tréguas. Se respingar em determinadas pessoas, isso passa a ser secundário. Não existem mais intocáveis ­ avisou ontem o ministro da Justiça, Tarso Genro ao revelar a nova ordem.

Da Indonésia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou ao ministro ontem pela manhã e parabenizou a Polícia Federal pela Operação Satiagraha que, até à noite de ontem, tinha colocado na cadeia 18 dos 24 alvos de mandados de prisão expedidos pelo juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara da Justiça Federal de São Paulo. O presidente, segundo o ministro, soube com antecedência que a operação estava para estourar, obteve informações genéricas apontando que entre os possíveis alvos estaria o grupo operado pelo banqueiro Daniel Dantas, mas não teve conhecimento dos detalhes da investigação.

Conversa franca

Nem precisava. Meses antes de a operação ser deflagrada, numa conversa franca com autoridades ligadas ao Gabinete de Segurança Institucional, o presidente havia sido informado que a investigação tinha ganho força e poderia pegar pessoas próximas ao Palácio do Planalto. Os nomes de Dantas, Naji Nahas, do advogado Roberto Teixeira e do ex-ministro José Dirceu chegaram a ser citados na conversa, mas não como alvos. A resposta do presidente foi de que, parente ou amigo, se cometeu algum deslize, que responda pelos atos. A prisão de Dantas alivia o presidente, porque afasta a suspeita de que ele poderia se sentir constrangido em função do suposto negócio entre uma das antigas empresas do banqueiro, a Telemar, com seu filho, Fábio Luiz, o Lulinha, no caso da Gamecorp. O presidente tem garantido que não há nada que o comprometa, mas que também não pode ser responsabilizado por atos de personagens que privaram de sua amizade em período anterior ao exercício do mandato presidencial.

Ontem, Tarso Genro chegou a afirmar que, por determinação do presidente Lula, por conta das ações da Polícia Federal, o Brasil vive uma fase semelhante à Operação Mãos Limpas, numa referência à guerra travada pela justiça italiana contraorganizações mafiosas na década de 1990. ­

Naquela época o mundo jurídico no Brasil aplaudiu. Agora vejo setores resistentes criticando o combate à corrupção. São determinadas vozes reclamando (da Polícia Federal) como se fosse algo excepcional ­ disse o ministro ao mandar um recado aos grupos políticos que se articulam nos bastidores de Brasília para combater as ações da Polícia Federal, apesar do amplo apoio da sociedade às ações contra grupos privilegiados.

Para a Polícia Federal, há uma sintonia entre congressistas e autoridades que reclamam da prisão dos poderosos, do uso de algemas ­ que é uma responsabilidade do agente que executa a operação, garantida pela lei -­ ou que classificam de midiática e espetacular as operações de impacto. Essas críticas estariam embutidas numa linha de raciocínio para justificar uma possível legislação que "enquadre" a polícia. O ministro disse que esse seria um problema do Congresso, mas preferiu não entrar em detalhes sobre os rumores que apontam para a possibilidade de uma nova legislação restringindo a ação da polícia. Ele negou, inclusive, que tenha qualquer divergência com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que se transformou num dos maiores críticos das ações da Polícia Federal.

Na entrevista de ontem o ministro, empolgado com a repercussão da operação, chegou a dizer que o combate à corrupção gerou um novo tipo de inclusão social, colocando ricos e pobres ao alcance da lei.

­ Eles (os poderosos) estão sendo incluídos no processo de responsabilização e cidadania. E outro tipo de inclusão ­ afirmou, ao se referir às prisões de Dantas, Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta, figuras que praticavam delitos financeiros, mas permaneciam impunes. Embora ressalvando que não diminuirão o sucesso da operação, o ministro admitiu que a polícia cometeu um grave erro ao permitir que a TV Globo chegasse aos endereços de Naji Nahas e Celso Pitta em São Paulo antes de a operação ser deflragrada e apresentar pedidos de prisão sem fundamento jurídico.

Responsável pela operação, o delegado Protógenes Queiroz ­ com mais de 20 anos de atuação contra as quadrilhas de colarinho branco ­ será investigado como suspeito de ter vazado a operação para a emissora. A direção da Polícia Federal mandou abrir, ontem mesmo, uma sindicância interna para investigar, inicialmente, desvio administrativo, que pode resultar num inquérito criminal. De chefe da operação mais importante realizada este ano, o delegado pode se transformar em alvo. Outro ato que pesa contra a conduta de Queiroz é a representação que encaminhou à justiça pedindo a prisão de outras pessoas apontadas como suspeitas, entre elas a jornalista Andréa Michael, do jornal Folha de S. Paulo. Autora de reportagem que antecipou a operação, em abril deste ano, a repórter virou alvo da investigação e suspeita de ter repassado aos advogados de Daniel Dantas informações que estavam cobertas de sigilo. Nenhuma autoridade da Polícia Federal ­ entre elas policiais que estavam no coração da operação ­ concordou com o pedido de prisão.

O delegado tem total independência na condução do inquérito, mas se não apresentar explicações que justifiquem a medida, pode ter sua atitude interpretada como uma tentativa de censura à imprensa.

O ministro Tarso Genro disse ontem que a imagem de Pitta, abrindo a porta de pijama e com cara de sono ­ mostradas pela TV ­ violou normas internas disciplinadas no novo manual da Polícia Federal, que proíbe a exposição que cause constrangimento ao preso (rico ou pobre) ou viole os direitos individuais garantidos pela Constituição. Quando os policiais chegaram, na terça-feira pela manhã, nos endereços de Pitta e Nahas, em São Paulo, tiveram de pedir licença para aos motoristas da Globo, que já aguardavam há horas nos locais.

­ - Ninguém deve ter privilégios. Eu quero pedir desculpas às outras emissoras ­ disse o ministro.

Sucesso aos olhos da população, a Operação Satiagraha foi marcada por divergências internas na Polícia Federal. A primeira data marcada para deflagrar a operação teve de ser adiada porque o delegado Protógenes Queiroz se recusou a passar as informações necessárias ao planejamento da operação. Na segunda tentativa, já na segunda-feira, ele concordou, mas só revelou à noite os nomes das pessoas que seriam presas. Nos bastidores, o chefe da operação reclamou de boicote por parte da cúpula da Polícia Federal. A resposta da direção do órgão virá na segunda fase da operação, que deverá chegar a novos personagens da política assim que forem analisados os documentos e discos rígidos de computadores apreendidos terça-feira: as investigações serão enquadradas no manual da PF e o delegado poderá ser afastado.