Título: A investigação deve continuar
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 10/07/2008, Opinião, p. A8

As detenções estelares realizadas no âmbito da mais recente operação da Polícia Federal contra crimes financeiros foram, em um primeiro momento, um recado direto contra a impunidade. Mas essa leitura é apenas superficial diante do que estaria em jogo. A presença, no topo da lista de 14 presos, do banqueiro Daniel Dantas, do empresário Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, confere inequívoca impressão do alcance democrático dos instrumentos legais. Tal análise, contudo, não resiste a um escrutínio um pouco mais detalhado. É preciso sempre lembrar que a ação coercitiva, mesmo e principalmente se amparada pela Justiça, deve preservar tanto o objetivo da ação proposta pelo Ministério Público quanto os direitos individuais dos investigados. O limite entre os dois mundos é a exposição.

O que ameaça a legitimidade de uma investigação de quatro anos, robusta em indícios dos ilícitos penais que a motivaram tanto quanto, aparentemente, de provas contra os acusados, é o que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, chama de "espetacularização das prisões". O fato de emissoras de televisão terem acompanhado as equipes da Polícia Federal que saíram para cumprir os mandados de prisão indica, no mínimo, que alguns órgãos de imprensa foram avisados previamente de que tal operação ocorreria. Assim, está certo o ministro Gilmar Mendes: mais do que a exibição de algemas, cujo uso deve ser aplicado com os mesmos critérios para ricos e pobres, é a suspeita de transformação de uma cobertura necessária em algo mais difuso e, por isso mesmo, questionável.

A crítica encorpa o coro daqueles que são habituados a ler as entrelinhas legais e seus excessos. Pareceu evidente que as cenas reproduzidas à farta nas tevês de todo o país representavam uma condenação prévia, sem chance de argumentação em contrário. Assim, a maneira cinematográfica como a operação foi conduzida ¿ diametralmente oposta à forma profissional e séria com a qual a investigação decorreu nesses quatro anos ¿ permitiu que se pudesse encobrir a discussão sobre os reais motivos das prisões. De quebra, ao carimbar como ilegítima a detenção, desqualifica as razões que as motivaram.

Estas prisões, sempre é bom repetir, nada tiveram de arbitrárias. Decorreram do entendimento de um magistrado altamente especializado em crimes financeiros, da atuação sigilosa e sem alarde de uma força-tarefa composta por procuradores e delegados federais. Contra a pressão representada por operações conhecidas e de notória ilegalidade, optaram por permitir que o esquema continuasse funcionando até que todos os envolvidos pudessem ser apanhados dentro de um farto conjunto de provas processuais. Esse é o lado que merece aplausos.

É importante deixar claro que a investigação não se encerra com as detenções. É apenas o ponto de partida para que mais implicados sejam alcançados. O que ocorreu nos bastidores das operações com a Brasil Telecom, do escândalo do mensalão e nos outros pontos que sustentam o processo envolve uma fortuna em dinheiro público desviado, e um grande número de pessoas envolvidas. Cada um deve ser investigado e ter a sua culpa provada, ou não. Dada a forma como se chegou aos 14 detidos, a sociedade pode esperar que o encaminhamento continue. A questão é saber o quanto o espetáculo na mídia passará a interferir na atitude dos investigadores daqui por diante.

É essa lição que a imagem de figuras tão poderosas sendo presas precisa passar. Não a de que a exibição serve a interesses, mas que a lei é para todos e pode alcançar qualquer um.