Título: Desregulamentação financeira em xeque
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 15/07/2008, Economia, p. A18

O anúncio de que o governo norte-americano vai pedir ao Congresso autorização ilimitada para emprestar dinheiro as duas empresas de financiamento imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac, é mais uma página "surpreendente" na crise do subprime, que teve início por volta de maio de 2007. Fannie Mae e Freddie Mac garantem juntos US$ 5,3 trilhões em crédito imobiliário nos EUA (cerca de três vezes o PIB brasileiro!) e controlam 90% do mercado secundário de hipotecas nos EUA.

Essas duas empresas são empresas privadas patrocinadas pelo governo americano, e que atuam principalmente através da compra e securitização de dívidas, o que permite a formação de um mercado secundário de crédito imobiliário nos EUA. Por exemplo, dentro do mercado secundário, tais instituições são capazes de tomar emprestado de investidores estrangeiros a baixa taxa de juros devido ao suporte financeiro que recebem do governo americano. São, portanto, instituições voltadas para viabilizar o funcionamento do mercado de financiamento imobiliário, cumprindo um papel fundamental no sistema financeiro habitacional dos EUA.

Obviamente que os desdobramentos de crise do subprime (financiamento imobiliário de maior risco) em algum momento impactaria sobre essas duas empresas. De fato, Fannie e Freddie estão atualmente no meio de uma crise, com queda vertiginosa do preço de suas ações e com dificuldades para rolagem de suas dívidas.

No contexto acima exposto, cabe perguntar se a ajuda do governo-americano é mais um passo na direção de uma redução do excesso de liberalismo financeiro. Acredito que é ainda cedo para avaliar se estamos caminhando para um novo processo de regulamentação do sistema financeiro, sem dúvida desejável, ainda que provavelmente a crise do subprime vem colocando em xeque a desregulamentação financeira que ocorreu nos EUA nos anos 80 e 90.

O leitor deve entender tamanha "farra" com o dinheiro dos cidadãos americanos. Economistas liberais argumentam que a ajuda governamental dá origem ao que se denomina "risco moral": ao socorrer mutuários e instituições financeiras, o governo estimularia esses agentes a realizar outros empréstimos inviáveis, na expectativa de que contam com a ajuda do governo. Contudo, a coisa não é bem assim. Crise no sistema financeiro é coisa séria, uma vez que uma crise localizada pode facilmente se alastrar e tornar uma crise sistêmica, envolvendo todos. Mais que protegendo instituições financeiras, o governo americano, com seu pragmatismo habitual, está protegendo seus contribuintes. Cabe discutir se medidas preventivas poderiam ser tomadas, mas isto já é outra história.