Título: Responsabilidade na publicidade
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 17/07/2008, Opinião, p. A9

Em meio ao rumoroso caso Daniel Dantas me chamou a atenção o destaque dado pela mídia, começando pela Rede Globo e pela imprensa escrita, ao IV Congresso Brasileiro de Publicidade, realizado essa semana em Brasília. Ninguém em sã consciência desconhece a importância da publicidade no mundo e no Brasil, muito menos a qualidade e seu peso econômico não só para o país mas, principalmente, para empresas de comunicação. É com a verba da publicidade que se mantém todo nosso sistema de rádio, TV, jornais e agora a internet.

Segundo dados do IBGE, são R$ 57 bilhões todo ano e emprego para 640 mil brasileiros. Estamos entre os primeiros no mundo em publicidade, e podemos nos orgulhar de nossa produção artística e dos prêmios que ganhamos todos os anos. A criação do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, há 30 anos, representou um avanço cujos resultados são aplaudidos por toda sociedade. O que não dá para entender e aceitar é o tema central do Congresso: a defesa da liberdade de expressão, a partir da avaliação de que ela está em risco pela existência de mais de 300 projetos de lei no Congresso Nacional regulamentando a propaganda em diversas áreas como cigarro, bebidas, remédios, alimentos, como se a regulamentação da publicidade fosse uma questão de liberdade de imprensa ou de informação e, mais grave, fosse um ataque à democracia.

Em todo o mundo democrático regular a propaganda é uma prática comum e aceita como necessária para se estabelecer o devido equilíbrio entre a venda e a publicidade de remédios, alimentos, bebidas e cigarros e a saúde pública. Está, portanto, na essência da democracia esse equilíbrio entre o interesse individual, econômico, e o interesse público e a defesa da saúde pública. Tanto isso é verdade que o cigarro praticamente está sendo banido da publicidade. A mesma tendência vale para a lei seca para motoristas, que entrou em vigor num momento em que toda a sociedade clama por mais segurança no trânsito e nas estradas, onde mais de 35 mil brasileiros morrem por ano.

O que não dá para entender é o posicionamento de nossos publicitários, em seu IV Congresso. O discurso dos publicitários é uma negação, em termos de comunicação e publicidade, de tudo que pregam e nos ensinam com sua maravilhosa arte. Uma coisa é buscar um acordo e uma transição entre a atual situação na propaganda de bebidas, remédios e alimentos e uma nova legislação ou mesmo uma nova auto-regulamentação. Mas, simplesmente, querer tachar de um atentado à liberdade de expressão ou de informação as restrições que se quer impor à publicidade em determinados horários ou de determinados produtos é uma aberração.

Não sou favorável a políticas proibitivas ou extremas em matéria de publicidade, mas temos de reconhecer a necessidade de se evitar a propaganda enganosa, assim como o estímulo ao consumo de bebidas e remédios, em determinados horários e para determinados públicos. O mesmo vale para o consumo de alimentos sabidamente nocivos à saúde ou que levem à obesidade.

Não se trata de uma matéria de liberdade de expressão ou que coloque em xeque nossa democracia, mas de matéria para a busca de acordos e para uma negociação transparente com a sociedade. Por isso, devemos saudar a existência do Conar e a criação da Frente Parlamentar de Comunicação Social, composta de 118 deputados e 38 senadores. Mas não devemos nos esquecer de que existe uma poderosa Frente Parlamentar da Saúde e uma política de governo definida com relação à publicidade de bebidas, remédios e alimentos. Ou seja, a pactuação e a busca de um equilíbrio que preserve a saúde pública e a saúde das empresas deve ser nosso objetivo, mas sem a falsa questão de que a liberdade de expressão ou informação está em risco no Brasil. Tamanho disparate não faz jus à inteligência de nosso mundo publicitário nem faz bem à nossa convivência democrática.