Título: O cerco às agências reguladoras II
Autor: Cruz, Verônica
Fonte: Jornal do Brasil, 14/07/2008, Opinião, p. A10

cientista política, pesquisadora do NEIC/IUPERJ

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) escreveu recentemente sobre o que acredita ser um cerco às agências reguladoras pelo governo do PT. Afirma que "já eram públicas e notórias as divergências do governo do PT para com o papel independente das agências reguladoras, criadas na gestão do presidente Fernando Henrique". Contudo, o que críticas como a do senador costumam desconsiderar é quando começou o referido cerco às agencias.

As práticas de contingenciamento orçamentário, nomeações sem a devida comprovação técnica para cargos de direção e o desempenho frouxo do poder Legislativo no seu papel fiscalizador não tiveram início neste governo. Ao contrário do que afirma o senador, são práticas recorrentes nas agências reguladoras.

Uma análise do funcionamento das agências reguladoras, sobre a interação entre políticos e burocratas, revela que desde a sua criação tais agências foram palco de manifestação dos legados políticos. Os comportamentos tidos pelos reformadores como pouco democráticos, como o clientelismo e o insulamento burocrático, herdados da Era Vargas e que a reforma do governo FHC prometia combater, resistem.

O centralismo do poder Executivo é um notável legado nas agências. A vinculação direta das agências aos ministérios, conforme determina a Constituição, favoreceu a preponderância do Executivo em relação às agências reguladoras e às decisões tomadas em seu âmbito. Esta preponderância atinge diretamente a autonomia decisória das agências que fica comprometida pelas nomeações políticas para os cargos de dirigentes, fruto de arranjos partidários da base dos governos. Neste sentido, os governos FHC e Lula dispensam o mesmo tratamento às agências. Ainda que dirigentes tenham de ter seus nomes aprovados pelo Senado após demonstrar competência técnica, nota-se partidarização das agências.

A patronagem derivada da barganha entre o Executivo e Legislativo permitiram que os partidos da coalizão aparelhassem as agências. O denominado aparelhamento corresponde a uma lógica mais complexa do que se supõe e orienta-se por critérios de afinidade, ideológica ou regional, ou pelo nepotismo, e podem vir associados à competência técnica ou não. Isto revela que os decisores escolhem trabalhar com quem mais confiam, e isto ocorreu nos governos FHC e Lula.

Neste sentido, PSDB e PFL, hoje DEM, disputaram por cargos e funções nas agências de telecomunicações e energia logo que foram criadas. O clientelismo político legou os da agência do setor de telecomunicações ao PSDB, que o controlou desde a gestão do ministro Sérgio Motta. Já o então PFL ficou com o setor energético no qual cargos foram preenchidos por nomes ligados ao grupo do senador Antônio Carlos Magalhães. No caso brasileiro, a preponderância do Executivo fica evidente nos momentos de crise setorial onde os governos pressionam pela saída precoce dos dirigentes das agências, já que são impedidos legalmente de demiti-los ¿ como ocorreu no governo Lula na crise aérea ¿ ou criam comissões que subjugam seus poderes, como ocorreu no governo FHC por ocasião da crise de energia.

Soma-se às dificuldades das agências o papel resignado do Legislativo que escolheu para si o controle do tipo "alarme de incêndio", acionado nos momentos de crise, ao contrário dos países centrais que contam com uma boa experiência com o modelo de agências, na qual o Legislativo tem papel determinante. Nestes países, por meio de suas comissões, os parlamentos acompanham as atividades das agências. Aqui é preciso que se estabeleça monitoramento da atividade regulatória.

O governo que implementou o modelo de agências adotou um modelo na teoria e outro na prática. Após serem criadas, as agências operaram com falta de pessoal especializado e dificuldades de contratação, além do contingenciamento orçamentário, justificado pelo controle fiscal que marcou o governo FHC. A restrição dos recursos é um impedimento ao bom desempenho ¿ e também não é recente.

A observação do funcionamento da Anatel e Aneel mostrou que as agências funcionaram da mesma forma que outras instâncias burocráticas e estiveram sujeitas aos dilemas enfrentados pelos órgãos públicos. O que se observa é a existência de mitos sobre as agências, havendo distanciamento entre a previsão e a prática de seu funcionamento. Organizações para uma atuação reguladora responsável revelam-se com debilidades. Neste momento, mais importante que apontar culpados é empreender o fortalecimento dos núcleos regulatórios.