Título: ''Demanda interna dá sinais de que é a sua vez''
Autor: Sabrina Lorenzi
Fonte: Jornal do Brasil, 14/02/2005, Economia, p. A18

- Como avalia o desempenho da indústria no ano passado? - A taxa de 8,3% foi significativa em vários aspectos. Um crescimento nesse nível não ocorre há muitos anos. Foi o maior desde 1986, um ano atípico por causa do Plano Cruzado, que depois deu no que deu. Além disso, o crescimento da produção se deu de forma espalhada e atingiu todas as categorias (duráveis, bens de capital, intermediários e bens de consumo não duráveis), 26 dos 27 segmentos investigados, além de 66 subsetores entre os 77 pesquisados. Vale ressaltar também que houve crescimento sustentado. Ao longo do ano, todos os trimestres apresentaram taxas positivas.

- Todas as categorias cresceram, mas a distância entre as taxas foi acentuada.

- A questão de quem liderou o crescimento tem relação com o ciclo da cadeia produtiva. Bens de capital e bens duráveis são mais sensíveis ao que acontece com a economia, portanto os primeiros a refletir a conjuntura. Com as melhores condições do crediário no primeiro semestre, a venda de eletrodomésticos, automóveis e mobiliário saltaram. Já os setores mais dependentes da demanda interna dão agora sinais de que é a sua vez.

- A que mais podemos atribuir este patamar da indústria?

- Por trás dessa taxa também estão as exportações, empurrando principalmente a agroindústria. E os investimentos - em especial a aquisição de máquinas e equipamentos - também contribuíram. Aliás, a taxa de investimento de 2005 também deve ser alta, não só pelo desempenho industrial, mas em função do setor de construção, que tem um peso enorme na formação bruta de capital fixo.

- Por que o salto de 38% na produção de bens de capital para construção?

- Vou arriscar fazer uma especulação, que não se trata de uma avaliação do IBGE, sobre o que houve. As encomendas de materiais e equipamentos para construção cresceram devido à época eleitoral. O crescimento ocorreu sobretudo na produção de equipamentos para construção pesada, predominantemente voltados para obras públicas. Nestes períodos, há uma pressa para a conclusão de obras.

- A construção, contudo, não foi a única responsável pelo aumento de produção dos bens de capital, que voltaram a crescer em dezembro, no maior patamar desde fevereiro de 1995.

- É difícil dizer para onde estão indo esses investimentos. Não conseguimos identificar se as encomendas de bens de capital estão sendo realizadas pelos segmentos que de fato precisam ampliar a capacidade instalada. A metalurgia cresceu pouco mais de 3%, abaixo da média da indústria (8,3%). Será que o segmento não tinha demanda suficiente para crescer mais? O que impediu as siderúrgicas de crescer? Isso nós só podemos especular, mas pode ter relação com a falta de investimento no passado.

- Os números positivos do IBGE podem indicar que a indústria está tentando resolver os gargalos?

- Que a indústria está investindo não resta dúvida. Além da siderurgia, sabemos que papel e celulose e transportes figuram entre os ramos que usam mais a capacidade instalada. Mas se estão investindo o suficiente, não podemos dizer a partir dos números do IBGE.

- O senhor falou em um novo padrão de crescimento da indústria em 2005, com o setor mais voltado para o consumo interno. Há dois anos, no entanto, as exportações superam a demanda doméstica. Essa tendência é mais forte em 2005?

- Desta vez, somos levados a crer que isso de fato vá acontecer por causa do aumento do emprego. Pelo que informa a Pesquisa Mensal de Emprego, a renda cresceu porque foram criados mais postos de trabalho e não porque houve aumento individual de salário. Portanto, para o indivíduo ter acesso a bens duráveis, tudo indica que ele terá que se endividar. Por isso fala-se que o ciclo de consumo intenso de produtos duráveis chegou ao fim, porque existe um limite nessa capacidade de endividamento. Por outro lado, dados de inadimplência divulgados recentemente mostram números positivos, sinalizando que esse esgotamento da capacidade de endividamento pode vir a se reverter. Muitas pessoas que chegaram a usar o décimo-terceiro salário para quitar dívidas, ou mesmo trocá-las por dinheiro mais barato, estão prontas para o consumo.