Título: Recompensa aos latino-americanos
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Fonte: Jornal do Brasil, 04/07/2008, Opinião, p. A8

O sentimento de xenofobia que vinha dando sinais desde a criação do bloco europeu pareceu firmar-se como regra para a União Européia e uma ameaça aos latino-americanos. Parte de agenda rígida, norteada pela necessidade de proteção dos produtores europeus, a questão da defesa do bloco e a normatização da imigração, a estratégia levada adiante pelo novo presidente do bloco, Nicolas Sarkozy, tem como uma das principais bandeiras o preconceito contra estrangeiros por todo um continente que já fora centro de irradiação de emigrantes no passado.

Mesmo antes de assumir o poder no Palácio do Eliseu, no ano passado, Sarkozy ¿ descendente de húngaros que foram viver na França ¿ vem prometendo apertar o cerco contra qualquer tipo de imigrante. A hipertrofia de seu estilo autoritário fez com que o projeto se estendesse a todo o clube europeu de 27 membros. E as conseqüências já começam a ser sentidas.

A nova regra para imigração do bloco atinge diretamente imigrantes ilegais, muitos dos quais latino-americanos. A chamada Normativa de Repatriação, aprovada no dia 18 de junho, criminaliza imigrantes sem documentos ¿ estimados em 8 milhões na Europa ¿ e obriga os 27 países da União Européia a unificar suas políticas de controle. O imigrante ilegal terá entre sete e 30 dias para deixar a Europa e caso a medida seja descumprida estará sujeito a 18 meses de detenção. Aqueles que forem deportados estão proibidos de retornar por cinco anos.

A ameaça aos direitos humanos de latino-americanos que migram em busca de condições melhores de vida mostra-se mais real do que nunca. A polêmica gerada entre líderes do Mercosul, na última reunião de cúpula do bloco, na Argentina, não é exagero. Indignado, o integrante do Comitê Jurídico da Organização dos Estados Americanos (OEA) Ricardo Antônio Silva Seitenfus condenou a medida e a classificou de "péssimo exemplo". A lei de retorno (como é conhecida pelos europeus) é, na verdade, para Seitenfus, "uma diretriz da vergonha". Em rechaço à medida, a líder chilena, Michelle Bachelet, pediu "tratamento justo a imigrantes" e lembrou que em décadas anteriores os países daqui "foram muito generosos com os imigrantes europeus" que precisaram mudar para fugir da pobreza.

A resposta dos europeus aos imigrantes que daqui se retiram constitui, anos mais tarde, uma medida injusta e discriminatória. Da mesma forma que nações da América Latina acolheram imigrantes italianos, espanhóis, alemães etc, parte dos latino-americanos atingida pela pobreza extrema é coibida de tentar sair da situação penosa que a assola. Relatório recente da Organização das Nações Unidas alerta para o fato de 850 milhões de seres humanos correrem risco de passar fome. Na América Latina, 200 milhões de pessoas ¿ 40% da população ¿ vivem na pobreza.

Imigrantes latino-americanos têm sido parte essencial da força motriz de países ricos da Europa. À maioria deles são destinados subempregos em que os próprios europeus se recusam a atuar. Com a entrada de nações mais pobres no bloco, como Polônia e Romênia, por exemplo, a mão-de-obra latino-americana passa a ser dispensável para nações ricas, que agora são obrigadas a aceitar trabalhadores oriundos de regiões menos desenvolvidas do bloco.

O "vento frio da xenofobia" na Europa, como classificou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece, portanto, soprar soluções errôneas aos atuais anseios da sociedade. O princípio de "reciprocidade histórica", pedido na declaração de presidentes do Mercosul, em resposta à nova medida européia, afirma a necessidade de se lutar contra qualquer forma de racismo e pede direitos iguais aos dados a europeus outrora.

Coerência e esclarecimento são o mínimo que se espera dos dirigentes europeus.