Título: Mais um último suspiro para Doha
Autor: Camarão, Rodrigo
Fonte: Jornal do Brasil, 04/07/2008, Economia, p. A17

Presidente da França é novo entrave à liberalização via redução do protecionismo.

Depois de seis anos de muitos impasses e limitados avanços, a Rodada Doha de liberalização do comércio mundial chegará, outra vez, a uma encruzilhada. A reunião ministerial em Genebra, dia 21, é vista como a última chance de a liberalização do comércio mundial passar à História como um acordo bem-sucedido ou um fiasco completo. Entre pessoas envolvidas no processo, iniciado em 2001, a expressão mais ouvida é "ponto crítico".

O consenso passa longe até mesmo dos países do Mercosul. Brasil e Argentina discordam de pontos do acordo. Negociadores brasileiros já demonstram vontade de prosseguir, mas argentinos reclamam da fórmula proposta pela Organização Mundial de Comércio (OMC) de calcular flexibilidades para as indústrias de uniões aduaneiras. O mecanismo permitiria ao bloco proteger até 14% das linhas tarifárias dos cortes das taxas de importação aplicados a outros produtos.

Enquanto representantes europeus classificam as propostas da União Européia (UE) como generosas ¿ entre eles estão o presidente da Comissão Européia, o português José Manuel Barroso, e o comissário de comércio, Peter Mandelson ¿ Nicolas Sarkozy, o presidente do Conselho, tem opinião abertamente contra o que chama de excesso de liberalização.

A UE dispõe-se a reduzir uma média de 54% das taxas de importação de produtos agrícolas - poderia chegar a 70% nos itens com mais distorções, eliminação dos subsídios para exportação de produtos, além do corte de 13% os subsídios dados diretamente a fazendeiros europeus. Do Brasil, em troca, a Europa quer a redução nas tarifas para serviços e produtos industrializados, com destaque para a indústria automotiva. A taxa hoje chega a 35% para carros e até 20% para peças. Foram produzidos no país, ano passado cerca de de 3 milhões de veículos.

¿ Queremos ter acesso à indústria automotiva do Brasil e de outros países. O Brasil é um mercado potencial e temos capacidade de crescimento entre veículos de luxo, por exemplo ¿ conta Peter Power, porta-voz de Peter Mandelson, ao comentar a presença de montadoras européias dentro do Brasil.

Brasil

O Brasil é o maior exportador de produtos agrícolas para a União Européia, principalmente soja e café. Apesar da suspensão da importação de carne brasileira no início do ano, a UE espera que até 4% do consumo na Europa venham do Brasil a uma taxa de 23%. Acima do teto de 4%, haveria taxação de mais de 100%.

¿ A produção de carne no Brasil e na Argentina tem um custo muito baixo ¿ acrescenta Power para um grupo de jornalistas brasileiros em Bruxelas. ¿ É um grande mercado para vocês. A questão agrícola não é mais verdadeiramente um problema para Doha. Nós avançamos muito na direção do G20. Mas os EUA não aceitam cortar mais os subsídios.

EUA

Os Estados Unidos chegam a essa reunião de Doha com uma crise econômica interna, acusações de que a produção de biocombustíveis a partir do milho têm dado enorme contribuição para o aumento dos preços dos alimentos no mundo, um presidente com a popularidade arranhada e uma eleição para a Casa Branca em quatro meses. Como os preços dos alimentos estão mais altos, o nível dos subsídios aos produtores poderia ser reduzido.

Os EUA cortaram os subsídios agrícolas de US$ 22 bilhões para algo em torno de US$ 12 bilhões. Negociadores de outros países como o Brasil desejariam que, em Doha, houvesse compromisso de que esse valor não subisse muito mais e ficasse em torno de US$ 14 bilhões. Com menos ajuda direta do governo, o país precisaria importar mais gêneros alimentícios, o que abriria um gigantesco mercado para exportadores.

Mas se em seis anos ainda não se chegou a um acordo, o que levaria o presidente George W. Bush a ceder em determinadas questões meses antes de deixar a presidência?

¿ Bush quer deixar essa negociação como um legado ¿ responde ao JB o porta-voz de Peter Mandelson. ¿ Ele tem comprometimento e é nossa melhor aposta.

Europa

As dificuldades não são muito menores na União Européia. O organismo, com sede em Bruxelas, na Bélgica, passa por uma crise de legitimidade junto à população de boa parte dos 27 países membros, acentuada pelo não da Irlanda ao Tratado de Lisboa ¿ a nova constituição da UE.

O presidente do Conselho, Nicolas Sarkozy, francamente contra o fim das barreiras comerciais, atribui à liberalização do negociador Peter Mandelson o problema. O próprio presidente francês já disse:

¿ Doha não sai sem o Tratado de Lisboa.