Título: O banqueiro e a crise no judiciário
Autor: Quadros, Vasconcelos
Fonte: Jornal do Brasil, 12/07/2008, Tema do dia, p. A2

O banqueiro Daniel Dantas virou povo de uma crise institucional envolvendo, da primeira à última instância, o Poder Judiciário brasileiro e seus dois órgãos auxiliares, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Menos de 24 horas depois de ter sido preso pela segunda vez, Dantas foi novamente libertado no final da tarde ontem pela segunda liminar concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.

O ministro deixou os autos para acusar de insubordinação, no despacho, o juiz Fausto de Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal de São Paulo e autor dos mandados de prisão temporária e preventiva derrubados ontem pela inusitada decisão. Abriu uma crise sem precedentes no judiciário brasileiro e que pode envolver o Executivo e o Legislativo no debate que separa a atuação da Polícia Federal do pânico que se abateu na elite financeira do país.

A reação contra Mendes foi imediata: ¿O regime democrático foi frontalmente atingido¿ afirma, em manifesto de 42 procuradores da República de diferentes regiões do país. Eles acusam o presidente do Supremo de proferir, em tempo recorde uma ¿inédita¿ e ¿absurda¿ decisão para favorecer em poderoso sob o pretexto de proteger os mais fracos. ¿É uma descarada afronta às instituições democráticas brasileiras (...). Definitivamente, não há normalidade em se considerar grandes banqueiros investigados por servirem de mandantes para a corrupção de servidores públicos o lado mais fraco da sociedade¿, acrescenta diz o manifesto.

Tentativa de suborno

Os sinais da crise já vinham sendo dados desde que o presidente do STF mandou soltar todos os presos da Operação Satiagraha. Documentos apreendidos na casa do banqueiro no Rio, e o depoimento prestado pelo professor universitário Hugo Chicaroni colocaram Dantas como o autor de uma tentativa de suborno contra o delegado federal Vitor Hugo Pereira e deram ao juiz Sanctis as bases para decretar a segunda prisão por suspeita de corrupção passiva.

No final da tarde de ontem, Mendes reagiu e concedeu a liminar, gerando uma inédita crise, escancarada por declarações e manifestos que pipocaram para condenar a atitude do ministro.

Antes de anunciar a decisão, o ministro envolveu-se em outra polêmica ao mandas os órgãos do judiciário federal apurar a denúncia de que estaria sendo monitorado por agentes da Polícia Federal. A suspeita partiu de uma nota publicada na coluna do jornal Folha de S.Paulo, cujo teor foi considerado falso pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, pelo diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa e pelo juiz Sanctis. Segundo eles, o propósito foi tumultuar as investigações contra o grupo de Dantas e semear a discórdia entre os poderes.

A Polícia Federal fez uma varredura no STF e, no final da tarde, sustentou que não havia qualquer sinal de grampo. Mais tarde, um grupo de 130 juizes federais, todos eles de primeira instância e subordinados ao STF, soltaram um manifesto onde afirmaram que atitude de Mendes ¿coloca em risco o bem tão caro da independência do Poder Judiciário¿.

- Nós trabalhamos dentro da legalidade ¿ reagiu o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, ao descartar qualquer hipótese de grampo telefônico ou vigilância em torno do presidente do Supremo.

Quinta-feira, à noite, Corrêa reuniu-se com Mendes, no STF, para tentar debelar a crise, que voltou com força ontem à tarde. O ministro Tarso Genro disse que a notícia foi plantada ¿não se sabe por quem ou a mando de quem¿ para criar uma intriga entre os poderes. Até a última decisão de Mendes, no final da tarde de ontem, o ministro da Justiça considerou normal e dentro do regime de direito a guerra travada em torno da prisão de e liberdade do banqueiro Daniel Dantas.

Como advogado

O jurista Dalmo de Abreu Dalari disse que a liminar tornou evidente a incompatibilidade entre Gilmar Mendes e a comunidade jurídica do país e sugeriu que há espaço para se discutir a hipótese de um pedido de impeachment do presidente do STF.

- Há um conflito aberto. O presidente do Supremo adotou um comportamento de advogado e atropelou o rito processual. Isso vai ter conseqüências. Nunca vi um presidente do STF com tanta falta de serenidade ¿ disse o jurista.

Dalari acha que Mendes exorbitou de suas funções e acabou deixando brecha para se discutir a hipótese de ter cometido crime de responsabilidade ou, pressionado por seus colegas, um pedido de licença que apague a crise no judiciário.

- Ele abusou ¿ acrescentou. ¿ Minha curiosidade á saber como vão reagir os outros ministros.

O juiz aposentado Walter Franganiello Maierovitch, ex-secretário nacional Anti-drogas, presidente do Instituto Giovani Falconi, afirma que Gilmar Mendes cometeu ¿abuso de direito¿.

- Ele (Mendes) está extrapolando as funções ¿ garantiu. ¿ O Supremo tribunal Federal virou ele. Já é hora de discutir um pedido de impeachment.

Ao defender o mandado de prisão preventiva expedido por Fausto De Sanctis, os juizes da Terceira Região Federal ¿ que compreende São Paulo e Mato Grosso do Sul ¿ colocam mais combustível ao vincular a atitude de Mendes como uma ameaça a democracia.

¿Ninguém nem nada podem interferir na livre formação da convicção do juiz, no direito de decidir segundo sua consciência, sob a pena de solaparem-se as próprias bases do Estado de Direito¿, afirmam.

Depois de tornar conhecida a liminar que livrou Dantas da cadeia, o ministro Gilmar Mendes se recolheu. Na sede da Polícia Federal em Brasília era visível o clima de frustração, mas nenhuma nota foi emitida.