Título: Dez cabeças e o desafio da cultura
Autor: Verly, Ana Paula
Fonte: Jornal do Brasil, 20/07/2008, Tema do Dia, p. A2

Artistas de várias áreas listam as prioridades que

Valorizar a arte como instrumento contra a violência crescente que domina a cidade. Este é o principal pedido que une 10 artistas ouvidos pelo JB. Apesar de reconhecerem que a Era Cesar Maia deixa um bom legado, com nove teatros, lei de incentivo e mais 15 espaços culturais, além da polêmica Cidade da Música, reclamam que o Rio não tem ainda um corpo de baile, um espaço para intervenções de arte contemporânea, concertos e centros culturais suficientes fora dos bairros da Zona Sul.

Envolver artistas e público em programações que contemplem também as zonas Norte e Oeste é o que esperam os entrevistados.

¿ O próximo governo tem que redimir o vexame que está aí há 10 anos. A arte não pode ser compreendida só como lazer e entretenimento ¿ defende o cineasta e dramaturgo Domingos de Oliveira, para quem os teatros deveriam voltar a ser administrados pelos diretores, como na gestão de Luiz Paulo Conde. ¿ Só assim os espaços adquirem uma cara, um perfil.

A pedido do JB, o prefeito do Rio listou suas contribuições para a Cultura, ao longo dos 16 anos da Era Cesar Maia: "Criei uma rede de teatros, a lei de incentivo à cultura, 15 equipamentos para a área cultural etc", disse, por e-mail. A rede à qual se refere Maia compreende nove teatros. No maior deles, o Carlos Gomes (685 lugares), o escritor e acadêmico Arnaldo Niskier gostaria de ver mais do que os musicais da programação.

¿ Sugiro concertos para a juventude, para receber os alunos da rede municipal de ensino ¿ propõe Niskier, considerando modesta a lei municipal de incentivo à cultura.

Entre as realizações de Maia, destacam-se as 10 lonas culturais para shows e peças teatrais. A atriz Dira Paes gostaria de mais espaços como esses nos subúrbios. O roteirista e diretor João Falcão lembra que a carência de centros culturais e teatros públicos diminui a concorrência e encarece os ingressos.

¿ Os poucos espaços que a gente tem são precários, perdulários ¿ avalia Falcão.

No caso das artes visuais, a falta de um local adequado acaba afetando as obras expostas nos espaços da prefeitura ¿ a maioria instalada em prédios tombados pelo patrimônio histórico, como o Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho (Castelinho do Flamengo) e o José Bonifácio (Gamboa).

¿ Espero espaços onde se possa quebrar o chão e furar a parede ¿ diz a artista plástica Zalinda Cartaxo.

A bailarina Ana Botafogo aproveita a construção da Cidade da Música para participar ao próximo prefeito que o lugar poderia abrigar um corpo de baile. Já o sambista Moacyr Luz critica o investimento em shows internacionais enquanto os artistas cariocas pedem apoio.

¿ O carnaval de rua ainda é feito informalmente. Inventamos rifas de engradado de cerveja para botar um bloco na rua ¿ lamenta.

ARNALDO NISKIER Acadêmico

O próximo prefeito precisa obter recursos expressivos para realizar um bom plano de cultura. Muitas empresas estão instaladas no Rio. Deveria existir uma espécie de lei de incentivo à cultura que estimulasse as empresas a investir, porque o retorno é certo. O Estado tem a lei do ICMS, e o municipio precisa de uma lei desse porte. A lei do ISS é muito modesta. Tem que ser uma lei de porte para conseguir mexer com o processo cultural. O plano de cultura do Rio deveria começar com uma parceria entre as secretarias de Educação e Cultura. O prefeito precisa ter a preocupação de envolver a rede municipal de ensino nos projetos culturais para que o Rio mantenha a posição de capital cultural do pais. É um título que precisamos reiterar. Sugiro promover a iniciação musical dos alunos da rede municipal, que é a maior da América do Sul, e ativar uma programação no Teatro Carlos Gomes, com concertos para a juventude.

CLARISSE NISKIER Atriz e dramaturga

Gostaria de ver investimentos em todas as áreas ­ cinema, dança, teatro e música ­, a manutenção com excelência dos espaços públicos, festivais e instituições como a Rioarte. A cultura do município precisa voltar a ter importância real na próxima gestão. Nos últimos anos, houve um esvaziamento dos investimentos nessa área. O Rio sempre foi um lugar de excelência em cultura, precisa recuperar isso.

MARCELO MOUTINHO Escritor

Estranho muito que os que pleiteiam ser prefeito continuem mantendo relações no mínimo questionáveis com a contravenção. Tenho visto candidatos fazerem beija-mão nas escolas de samba. Que tipo de governo a gente vai ter quando, desde a campanha, fica sinalizada essa relação? Sou contra delegar a responsabilidade de uma festa da dimensão do carnaval, que movimenta tanto dinheiro para a cidade. É ruim para a imagem do Rio. Torço para que acabe. O carnaval é a principal festa da cidade e cabe aos governos municipal e estadual organizar. Não entendo o tamanho poder que se dá à Liesa ­ objeto de vários questionamentos, sem uma administração transparente. No mínimo, gostaria de ouvir dos candidatos que vão colocar às claras a terceirização do carnaval. A gente não sabe para onde vai a renda do evento, como é feita a escolha dos jurados. É uma festa popular privatizada.

DIRA PAES Atriz e dramaturga

Espero a consideração de que a cultura é um gênero de primeira necessidade. Uma sociedade com acesso à cultura é menos violenta e desenvolve mais a cidadania. A cidade tem grandes potenciais. Temos que valorizar o que já possuímos e descobrir novas possibilidades para dar acesso às pessoas da Zona Norte. As lonas são uma idéia muita boa que precisam ser valorizadas e multiplicadas.

ZALINDA CARTAXO Ar tista plástica

Espero que ele invista nos espaços culturais e ofereça apoio a eventos de forma constante. O impor tante é contemplar um número maior de ar tistas, não só nas ar tes visuais, mas também na música, teatro e demais segmentos do cenário cultural do Rio. Os espaços estão começando a surgir. Temos o Parque das Ruínas e o Castelinho do Flamengo, que ainda não têm a configuração ideal para receber cer tos trabalhos e eventos. Espero a construção de espaços mais adequados, para contemplar as necessidades das ar tes visuais, onde o ar tista possa quebrar o chão, furar a parede. Os espaços que temos e as obras acabam sendo adaptados em função das restrições. Precisamos de lugares onde as obras possam ser expostas de forma plena, para atender a ofer ta de ar te e os ar tistas que o Rio tem.

JOÃO FALCÃO, Roteirista e diretor

O que me incomoda na administração pública no setor cultural é o ato de mudar tudo que foi feito e interromper processos no meio do caminho. Tem muita coisa a ser feita, mas seria bom que o próximo prefeito tivesse a sensibilidade de dar prosseguimento às coisas que não tenham sido criadas pela prefeitura dele. Não podemos mais ficar à mercê das vontades e dos atos políticos não administrativos. Gostaria de ver a recuperação e a melhoria dos teatros que já existem e a criação de novos espaços públicos para as artes. Zelar pelo patrimônio cultural que temos já é uma grande coisa. Vejo a cada dia esses espaços minguarem. Faltam ao Rio espaços eficientes. Os que temos são precários, poucos, perdulários e não atendem à cidade como ela merece. A falta de concorrência acaba encarecendo os ingressos.

AMIR HADDAD, Ator e teatrólogo

Espero que o próximo prefeito conser te o que está errado. A vida cultural da cidade é lamentável na área pública. Há muito a se fazer para oferecer uma política cultural à cidade. A cultura é o braço do prefeito que chega ao povo. A Cidade da Música é mais uma obra que só ser ve aos turistas. Em uma cidade musical como o Rio, não entendo a razão de investir uma for tuna naquele espaço, que a maior par te da população não poderá freqüentar. Gostaria que o prefeito usasse os recursos para governar bem a cidade que eu amo. Show na praia é política de evento e calendário turístico. Isso não é política cultural. É pão e circo. O Rio tem um per fil cultural marcante, que precisa ser explorado. Espero que o prefeito ouça os ar tistas e o público.

DOMINGOS DE OLIVEIRA , Cineasta e dramaturgo

O próximo governo tem que redimir o vexame que está aí há uma década. Dez anos atrás, a Secretaria Municipal de Cultura era a coisa mais importante para o teatro. Foi a pioneira em distribuir os espaços teatrais entre os diretores, como se faz na Europa. Era uma rede ótima. Cada um movimentava o teatro como se fosse a própria casa, com programações relevantes, como também acontecia no planetário. Cada lugar tinha uma cara. O público sabia onde encontrar o alternativo, o comercial, a vanguarda. Tem que dar teatro e recurso para os diretores unirem suas turmas e seus grupos, como é no mundo inteiro. É a única forma de dar cara aos teatros do Rio. Se o prefeito quiser fazer mais, ótimo. Mas já bastava. Hoje, o teatro é uma casa sem dono. Tanto o Cesar Maia quanto o Cabral não dão bola para o teatro. O teatro está desamparado. A única coisa que retrata uma cidade é a arte que ela produz. Enquanto a arte for compreendida como lazer e entretenimento, nada vai acontecer de importante nessa cidade. Cismaram que artista é para divertir e enfeitar palanque. A arte é para refletir. A cultura deve ser a prioridade da prefeitura, mais até do que a segurança pública é para o Estado. É uma história controversa. Mas o certo é que só a cultura tem a capacidade de afastar a barbárie.

ANA BOTAFOGO Bailarina

Gostaria que a Cidade da Música abrigasse uma companhia de balé. A dança está sempre ligada à música. Essa obra do Cesar Maia é um espaço que acredito ter capacidade de abrigar um corpo de baile do por te do que tem o Teatro Municipal. Temos muitos bailarinos profissionais e poucas companhia de balé na cidade. O Teatro Municipal não consegue ficar com todos os profissionais bons que se formam todos os anos. Também considero importante a prefeitura oferecer chances de as grandes empresas investirem mais em cultura. É preciso criar mecanismos para facilitar o investimento dos empresários nessa área. O Rio é um pólo cultural e turístico do Brasil. A cidade precisa efervescer de programas culturais e proporcionar espetáculos. E isso só é possível com investimento.

MOACYR LUZ Sambista

Não entendo como existe dinheiro para mega-eventos internacionais e não para uma programação cultural carioca acessível ao público. Contratam um artista internacional a R$ 500 mil, quando esse valor poderia proporcionar um mês de festa à cidade ou vários eventos da mesma elegância. Só o que se gasta com banheiros químicos em um show do Lenny Kravitz daria para ajudar todos os blocos de rua e rodas de samba. A gente constrói essa cultura alternativa, que atrai turistas do mundo inteiro, com recursos próprios e vaquinha entre amigos. A prefeitura gasta uma fortuna com os Rolling Stones e não sobra nada para nós, mantenedores da cultura carioca. Revitalizamos a Lapa, a Praça Tiradentes e o Baixo Santos Dumont com as rodas de samba. E quem ajuda a gente? Ninguém mesmo. Quem faz tudo somos nós, que inventamos rifas de engradado de cerveja para botar um bloco na rua e uma roda de samba funcionando.