Título: Impasse já se tornou insuportável
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Fonte: Jornal do Brasil, 20/07/2008, Opinião, p. A10

A reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, amanhã, será a melhor oportunidade em muitos anos para que os discursos altruístas das nações em desenvolvimento dêem lugar às ações pragmáticas. Em entrevista exclusiva ao JB publicada hoje, o comissário de comércio da União Européia (UE) e principal negociador da Rodada Doha, Peter Mandelson, promete reduzir uma média de 54% nas tarifas agrícolas e mais 70% de subsídios distorcidos. Claro que não existe almoço grátis, informa a célebre frase do economista Milton Friedman. Frente às cifras propostas pela UE, contudo, tiram-se duas conclusões tão visíveis quanto assustadoras. Primeira: a Europa, indiretamente, reconhece que mais da metade das tarifas comerciais para produtos agrícolas é distorcida. Segunda: não esperem as nações emergentes que a exigência da contrapartida tenha porcentagens muito menores do que essas.

É inadmissível que as barreiras ao livre comércio ainda se imponham por motivos muito mais políticos do que técnicos. Em pleno século 21, assistimos ao protecionismo gritante de nações industrializadas, aos subsídios agrícolas bilionários e à falta de compromisso com o desenvolvimento de uma parte do país que só não alçou vôos maiores justamente pelo colonialismo que imperou por séculos a fio.

O mundo tem olhado com interesse para o Brasil. Para um país capaz de vender 3 milhões de automóveis num ano. Um mercado potencial de milhões de pessoas com mais emprego, renda e vontade de consumir. Isso não pode ser ignorado, e os países industrializados já perceberam. Rapidamente, o Brasil foi erigido ao patamar de uma nação-chave na Rodada Doha. É preciso que nossos negociadores na OMC saibam aproveitar este momento. Ao que tudo indica, há uma vontade política do governo brasileiro, representado pelo chanceler Celso Amorim, de que o acordo chegue a um bom termo. Infelizmente as trilhas a serem alcançadas não dependem só do grupo de países liderados pelo Brasil. A sanha para pôr fim a sete anos de impasse não pode fazer com que o país feche um péssimo negócio, sob o risco de abrir demais o mercado, prejudicar a indústria brasileira e, ainda assim, esbarrar em barreiras tarifárias que, muitas vezes, ultrapassam 100%.

O Brasil precisa, também, incentivar a indústria local. Apenas abrir o mercado para uma enxurrada de produtos americanos e europeus não é a melhor saída. Por isso, é tão difícil encontrar um ponto de equilíbrio. Mas ele tem de ser alcançado.

O cenário econômico mundial é outro óbice. Inflação, mercados imobiliários e financeiros em frangalhos, altos preços dos combustíveis, desemprego. Tudo leva à paralisia, quando não ao protecionismo, reconhece Peter Mandelson Em poucos meses, os eleitores americanos estarão diante de uma cédula com dois nomes e nenhum deles é o do atual presidente, George Bush. Talvez esse seja obstáculo ainda maior. Poucos analistas americanos apostam que Bush tenha cacife político para assinar a redução dos distorcidos subsídios agrícolas dados a plantadores de milho para produzir biocombustível, por exemplo. Ainda que Bush queira deixar Doha como legado de seu governo, há dúvidas de que o Congresso americano vá aprovar os necessários incentivos para tornar o comércio mais justo e equilibrado.

O desafio é proporcional às vantagens que o país vai auferir se conseguir negociar um acordo. A nosso favor, está uma Europa atingida pela alta dos alimentos, dos combustíveis, da inflação. Mas não há eloqüência maior que o número levantado pela Confederação Nacional da Agricultura: o Brasil perde US$ 10 bilhões a cada ano que se passa sem a aprovação de Doha. O custo do impasse já se tornou insuportável.