Título: A universidade abandonada
Autor: Aurélio Wander Bastos
Fonte: Jornal do Brasil, 20/07/2008, Opinião, p. A11
PROFESSOR DE DIREITO E DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA
As universidades públicas brasileiras formaram-se como agrupamento de faculdades isoladas e evoluíram como arranjos burocráticos com orçamentos organizados em função das faculdades. Este modelo fortalecia os diretores, ficando os alunos fragilizados, os funcionários como "bedéis" e os reitores como chanceleres. O Decreto Lei nº 200/67, combinado com a sucessiva Reforma Universitária (1968/71), fortaleceu financeiramente os reitores, mas engessou os orçamentos e departamentalizou as faculdades. Engessadas administrativamente e com a subsunção das universidades estatais, e autárquicas, à administração direta, criaram-se fundações mantenedoras, não apenas com verbas públicas, mas com recursos de empresas estatais e privadas onde o reitor era também o seu presidente.
Este modelo provocou dois efeitos subseqüentes: por um lado os recursos orçamentários ficaram na responsabilidade da administração e por outro lado as empresas não subsidiaram as universidades. Neste quadro elas reverteram o quadro e criaram fundações mantidas por elas próprias com verbas privadas administrando também parte das verbas orçamentárias não vinculadas ao pessoal. Os efeitos descentralizantes geraram alterações nos diferentes mecanismos licitatórios e comprometeram os programas de ensino e pesquisa.
Este quadro evoluiu para situações heterodoxas e as fundações de apoio não vêm aplicando as verbas segundo os objetivos fixados pelos conselhos, que se transformaram em órgãos homologatórios. Esta situação levou à ruptura com o rígido modelo licitatório e com os controles administrativos. Este fortalecimento das fundações de apoio viabilizou a desconexão da universidade com o estado de direito e contribuiu para a alteração do conceito constitucional de autonomia universitária, aproximando-o do conceito de independência (des) funcional, paradoxalmente dentro do Poder Executivo. Esta novidade na administração tem provocado efeitos na composição dos órgãos centrais desconstruindo o modelo de ensino superior.
Neste sentido, a universidade pública está transmudando-se endogenamente em circuitos abertos, onde a lei se confunde com coerção e a legitimidade democrática com o legitimismo populista. A aproximação com programas externos é importante, mas não exatamente comprometendo o projeto educacional do Estado democrático de direito com relações diretas de poder como relações legítimas.
Esta flutuação desconectou a legalidade como seu pressuposto organizativo, para aproximá-la do legitimismo, não como expressão de legitimidade, mas como pressuposto da independência administrativa, apoiada nas fundações de apoio com recursos orçamentários da União. Isto demonstra que a "autonomia" da universidade está transformando unidades do poder público vinculadas ao Poder Executivo em órgãos executivos de políticas independentes, resistentes aos programas de governo, mas apoiando-se nos recursos orçamentários da União para viabilizar os seus projetos através das fundações de apoio.
Finalmente, este quadro tem contribuído para a privatização interna das verbas públicas, que se contrapõe aos procedimentos administrativos. Este efeito tem revertido os mecanismos legais para a indicação dos reitores pelo Conselho Universitário e de Ensino e Pesquisa, através de portarias internas contra legem, contrapondo-se ao estado de direito que pode ter efeitos sobre os atos homologatórios de reitores pelo presidente da República.