Título: Queremos equilíbrio do Brasil
Autor: Camarão, Rodrigo
Fonte: Jornal do Brasil, 20/07/2008, Economia, p. E1

Comissário de comércio da UE fala o que a Europa espera do país em Doha. E o que oferece em troca.

Está na ponta da caneta de Peter Mandelson o pacote de bondades que a União Européia (UE) espera oferecer para aprovar a Rodada Doha, a proposta de liberalização do comércio que se arrasta há sete anos numa coleção de divergências mundo afora. Nas costas, o comissário de comércio da União Européia carrega a responsabilidade de representar os 27 países do grupo e ainda contornar a fúria protecionista de Nicolas Sarkozy, presidente da França e ocupante da cadeira número 1 da UE. Nesta entrevista exclusiva ao JB feita por e-mail, Mandelson fala do que espera do Brasil para ressuscitar a combalida e desacreditada Rodada Doha amanhã, em Genebra, durante a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio.

O que o Brasil pode fazer para a Rodada Doha acontecer?

¿ A Europa liderou, incentivou e encorajou as negociações por toda a parte. Na verdade, como esta é uma rodada para o desenvolvimento, a União Européia vai fazer mais que os outros. Mas não faremos isso sem esperar nada em troca. A Europa não pode e não vai aceitar um acordo que não possa defender em casa. Vamos manter nossa oferta agrícola atual, que é parte de um pacote ambicioso envolvendo grandes reduções, em breve, de tarifas e subsídios distorcidos para o comércio. Haverá a eliminação de subsídios para exportações de produtos agrícolas, se outros se unirem a nossos esforços. A agricultura não é a única área a que a UE está atenta. Fazemos o mesmo com bens industriais e serviços. Oferecemos aos outros países novas oportunidades. O desafio para eles em Genebra é fazer o mesmo. Não há outro caminho. No mundo desenvolvido esperamos esforços iguais. Dos países em desenvolvimento, como o Brasil, não queremos paridade, mas equilíbrio.

Como?

¿ Pedimos ao Brasil e a outros países em desenvolvimento que diminuam uma parte de seus impostos. No fim das contas, suas tarifas médias aplicadas continuariam cinco ou seis vezes mais altas que as nossas.

O presidente Lula disse que Doha pode ter um final feliz? O senhor concorda, depois de tantos anos de debate?

¿ A economia global enfrenta uma enxurrada de problemas incluindo, agora, alta inflação, diminuição do crescimento, mercados imobiliários em colapso, altos preços de combustíveis e de commodities e aumento do desemprego. O perigo é que isso gera medo e leva à paralisia ou ao protecionismo crescente. A única esperança de boas notícias no horizonte internacional é a antítese do protecionismo ¿ a possibilidade de avançar nas negociações comerciais mundiais. Não que Doha vá resolver esses problemas sozinha, porque não vai. Mas trará confiança para uma economia global que carece desse sentimento.

O que Doha pode fazer?

¿ Doha criaria um novo comércio e algumas travas na abertura existente como uma garantia contra um futuro protecionismo. Acabaria com algumas distorções no sistema de comércio global que prejudicam os países em desenvolvimento. Ajudaria a baixar os preços para importações para consumidores e empresas. Fortaleceria as regras e facilitaria o comércio. Agora, precisamos de todas essas coisas se pudermos garanti-las num pacote equilibrado. O crescimento da economia global não é algo que acontece sem escolhas políticas. A abertura que fortaleceu a economia global na última década é o resultado de acordos comerciais feitos há 15 anos. Lucramos com essas escolhas políticas. O crescimento e a abertura do mercado de uma década a partir de agora vão depender das escolhas que fizermos agora.

Podemos escolher ficar presos à abertura da Rodada do Uruguai, de 1994. Ou podemos escolher fazer agora as bases para um crescimento futuro do comércio.

Qual a alternativa?

¿ Uma alternativa é deixar a Rodada Doha escorrer por nossos dedos porque não foi possível, no momento final, reunir a coragem política para fazer as escolhas necessárias para fechar o acordo. Se tivermos de evitar essa questão em Genebra, todos os negociadores terão de fazer a sua parte.

Parece que os Estados Unidos são um grande obstáculo para Doha. É possível convencer o presidente Bush no fim do mandato?

¿ É nossa última chance para concluir Doha, se falharmos na semana que vem, o jogo estará terminado. Então é agora ou nunca, ou, pelo menos, por um longo tempo. O calendário político americano complicou as negociações, mas também trouxe foco. Este é o ano para concluir essa rodada. Eu acredito firmemente que o presidente Bush quer um acordo. No entanto, isso vai exigir muito trabalho duro e real engajamento de todas as partes. Esperamos que possamos mudar a opinião dos que disseram, durante algum tempo, que Doha está morta.

O presidente Sarkozy também é um obstáculo para Doha? Ele critica a negociação conduzida pelo senhor.

¿ Houve inúmeras e duras críticas nos últimos dias. É meu trabalho, como responsável por liderar as negociações comerciais e representar o interesse comercial dos 27 Estados-membros, explicar o que estamos fazendo, e unir os europeus em busca de interesses comuns. É completamente normal, antes de uma importante reunião ministerial da OMC que as opiniões sejam defendidas com cores fortes. As negociações são difíceis, complexas e críticas para a economia mundial. Mas isso não é sobre indivíduos ¿ não é sobre mim, Pascal Lamy (diretor-geral da OMC), nem mesmo sobre o presidente Sarkozy. É sobre dar à economia global um estímulo para ajudar a enfrentar as pressões econômicas atuais e ajudar a manter a economia global em alta nos próximos anos. Não devemos nos enganar achando que há alguma opção segura de que nada muda se as negociações entrarem em colapso. A falta de um acordo em Doha significa que há um risco de voltarmos ao protecionismo, que é um fim trágico, um caminho do qual teremos dificuldade de nos livrar.

O que a UE quer do Brasil?

¿ Há flexibilidades e exclusões significativas para os países em desenvolvimento no texto sobre bens industriais. Os países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) não têm tamanha latitude. A reciprocidade total para os países em desenvolvimento é o princípio menos apropriado, mas ainda precisa significar alguma reciprocidade. Por exemplo, não seria correto que todos os setores produtivos sofressem com reduções de tarifas de países em desenvolvimento competitivos como o Brasil. Então uma cláusula anti-concentração significativa, dentro das flexibilidades, é essencial. Os setores também são uma forma útil de encontrar o equilíbrio correto dentro do Acesso aos Mercados para os Produtos não Agrícolas (Nama em inglês), fazendo com que a fórmula de redução de tarifas em geral continue sólida. Na semana que vem, precisamos ver ofertas de serviços significativas. A Europa está fazendo a sua parte na negociação, tanto na agricultura quanto no Nama. Na agricultura, vamos reduzir nossas tarifas em uma média de 54%. Isso vai bem além da Rodada do Uruguai que permitiu que os negociadores escondessem reduções superficiais por trás de uma média muito mais baixa. A redução em 70% de subsídios que distorcem o comércio e a eliminação dos subsídios de exportação em 2013 oferecem um pacote muito significativo para os exportadores agrícolas. No Nama, a tarifa média da UE vai cair para um nível residual insignificante. Vamos cortar todas as nossas linhas, e o tamanho dos mercados para os quais essas tarifas se aplicam é enorme.