Título: Dois caminhos, duas estratégias
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 24/07/2008, Opinião, p. A9

ex-ministro chefe da Casa Civil

Estamos passando por mudanças profundas ou será que apenas estamos vivendo uma conjuntura crítica, marcada pela alta dos preços dos alimentos, matérias-primas e petróleo, inflação em curva ascendente pressionada também pelo crescimento de nossa economia? É evidente que estamos vivendo e presenciando grandes transformações no mundo, a começar pela redução relativa do peso dos Estados Unidos e da Europa na economia mundial e pelo fantástico crescimento da China e da Índia, fazendo com que, para além da hegemonia militar e política, os Estados Unidos deixem de ser a locomotiva do crescimento mundial.

O atual preço do petróleo e o surgimento dos biocombustíveis, além da disparada dos preços dos alimentos, também mudarão as economias. Não dá para projetar o futuro, dentro de duas décadas, sem uma nova fonte de energia e um redesenho da produção de alimentos no mundo, que terá também a difícil tarefa de deter o aquecimento global. Aliás, seus efeitos já estão presentes nos problemas que se enfrenta hoje, como a elevação dos preços dos alimentos, fruto da mudança no clima em diferentes países que afetou muito as safras nos últimos dois anos. A recente crise das hipotecas nos Estados Unidos e seus efeitos na Europa, que apenas começaram, também farão o mundo repensar a regulação e o controle sobre os capitais e o sistema bancário e financeiro mundial, como começa a ocorrer.

As grandes nações, como o Brasil, estão crescendo, apoiadas em políticas públicas e no Estado, e não só no mercado, como pregava o receituário liberal, apesar da importância dos investimentos privados nos programas de desenvolvimento. Nesse cenário, temos uma posição privilegiada. Um país industrializado, com uma das mais modernas agriculturas do mundo, recursos naturais abundantes. E que conta com um vigoroso mercado interno, empresas do porte da Petrobras e da Vale, e um sistema de financiamento público bem estruturado. Temos acima de tudo nosso povo: somos uma civilização nos trópicos. Assim, temos capacidade para crescer apoiados na poupança nacional e no mercado interno, que ganhou força com a estabilidade econômica, o crescimento do emprego e as políticas sociais de distribuição de renda. Nossa economia exportadora de alimentos, matérias-primas e manufaturados vai aos poucos se transformando em exportadora de capitais, serviços e tecnologia.

O papel e a liderança do Brasil já são reconhecidos no mundo. Não podemos perder essa oportunidade histórica. Temos que fazer frente aos nossos desafios, começando pela educação, onde o governo já vem desenvolvendo um programa importante de qualificação e modernização, e pelo desenvolvimento tecnológico. Temos de consolidar os investimentos na infra-estrutura, cumprir o cronograma do PAC e garantir o financiamento ao desenvolvimento industrial. Para crescer nas próximas décadas, acabar com a miséria e ocupar seu lugar no mundo, o Brasil não pode ficar a mercê de políticas fiscais e monetárias suicidas que só beneficiam o capital financeiro e que nos levarão a uma crise nas contas externas, mais cedo ou mais tarde. Isso sem falar que significam um freio no crescimento econômico e na expansão do emprego.

Temos de nos preparar para uma possível retração da economia mundial e a possibilidade de uma deflação nos preços das commodities que exportamos. E não podemos mais conviver com o real valorizado e os juros altos internos, que nos colocam a mercê dos riscos de um déficit externo ou de um ataque à nossa moeda.

São dois caminhos e duas estratégias. Uma para manter o status quo, outra para romper com a hegemonia do capital financeiro, nascer o país produtivo, consolidar uma aliança política entre as classes populares e as classes médias produtivas para alavancar um projeto nacional de desenvolvimento, com base nas riquezas do país e na herança bendita que recebemos do desenvolvimentismo e do nacionalismo.

Não nos enganemos. Manter a atual política fiscal e monetária é ir na contramão da história e trair os mais puros anseios de nosso povo por um futuro melhor.