Título: Mais um dia de poucos progressos
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Fonte: Jornal do Brasil, 24/07/2008, Economia, p. A21

Lula cobra flexibilização de países desenvolvidos para haver acordo, e Brasil ganha apoio da Índia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que não tem acordo, se não houver flexibilização na negociação da Rodada Doha.

¿ Se não houver efetiva diminuição dos subsídios dos Estados Unidos e se não tiver efetiva flexibilização para o mercado agrícola europeu não tem acordo, e cada um que arque com a responsabilidade ¿ disse o presidente, após almoço com o primeiro-ministro de Trinidad e Tobago, Patrick Manning, no Palácio do Itamaraty.

Lula afirmou que atualmente os americanos e europeus precisam levar em conta a existência dos países emergentes.

¿ Eles acham que os países emergentes têm que se subordinar à lógica deles e estão habituados a um tempo em que não tinha negociação, impunham o que queriam e os outros eram obrigados a aceitar ¿ ressaltou Lula.

O presidente afirmou ainda que é preciso levar em conta maior consciência de soberania alimentar dos países no mundo inteiro, portanto, segundo ele, continua na expectativa de que o Brasil vai fazer um acordo com os países.

Lula disse também que o ideal seria se os europeus flexibilizarem as questões relativas aos produtos agrícolas, enquanto os norte-americanos deveriam reduzir seus subsídios no setor. Segundo ele, só isso permitirá buscar a paz, o fim do terrorismo e da discriminação de imigrantes estrangeiros.

Ainda assim, Lula diz ser so mais otimista dos chefes de Estado quanto à possibilidade de acordo na Rodada Doha, desde que atendidas várias condições.

¿ Tenho dito que sou o mais otimista dos dirigentes do mundo sobre a possibilidade de se fazer um acordo na Rodada de Doha. Até porque estou convencido de que, se nós quisermos ter paz no mundo, combater o terrorismo e evitar essa perseguição aos imigrantes no mundo inteiro, temos que ajudar a desenvolver os países mais pobres ¿ afirmou o presidente.

Madrugada adentro

Eram quase 23h30 em Genebra quando o chanceler brasileiro, Celso Amorim, deixou a sede da OMC sem fazer comentários, depois de mais de oito horas de discussões para tentar romper o impasse nas negociações da Rodada Doha.

Era apenas uma pausa: o terceiro dia de reuniões em Genebra foi de duras negociações e progressos modestos, e os ministros decidiram entrar pela madrugada para salvar a Rodada. No dia anterior, diante da dificuldade em obter avanços num fórum com representantes de mais de 30 países, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, havia mudado o formato da reunião, reduzindo as discussões a sete ministros.

Mas depois de horas trancados, Brasil, Índia, Estados Unidos, União Européia, China, Austrália e Japão ainda não haviam avançado o suficiente, forçando Lamy a interromper a reunião. Teve início então o que é conhecido como "confessionário", no jargão da OMC, com conversas reservadas do diretor-geral com cada um dos ministros.

A iniciativa de Lamy de implantar o confessionário foi interpretada como um mau prenúncio.

¿ Nas divergências principais não houve avanço ¿ disse um negociador. ¿ Cada um está mantendo suas posições e está difícil ir adiante.

Por outro lado, a disposição de todos os sete ministros de continuar negociando foi considerada um bom sinal.

Apoio da Índia

Com a chegada de seu principal aliado, o ministro indiano de Comércio, Kamal Nath, o Brasil ganhou mais força na insistência de posições, durante debate restrito convocado por Lamy.

Além de Amorim e Nath, também participam da reunião os negociadores da União Européia, Peter Mandelson, e dos Estados Unidos, Susan Schwab.

¿ É preciso deixar claro que jamais estaríamos onde estamos agora, inclusive com essa oferta dos Estados Unidos, se não fosse pelo G20 ¿ afirmou Amorim.

Na terça-feira, os Estados Unidos ofereceram reduzir a US$ 15 bilhões o limite para seus subsídios agrícolas.

Juntos, Brasil e Índia deverão insistir em que a proposta americana é "um bom começo, mas não o suficiente", segundo palavras de Nath, que reproduzem a mesma mensagem já passada por Amorim.

¿ Não esperamos que o início seja o fim. Desejamos ofertas melhores e realistas em relação à aplicação ¿ disse o ministro indiano.

¿ Eles lançaram a bola, mas ela não passou do meio de campo. A bola ainda está no campo deles (dos americanos) ¿ disse Amorim.

Os dois aliados também pressionarão por manter fora do acordo sobre bens industriais as chamadas cláusulas anti-concentração, que os países mais ricos querem incluir para limitar o nível de flexibilidade com o qual os países em desenvolvimento poderiam proteger determinados setores da indústria na hora de aplicar os cortes de tarifas.

O vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, Joel Naegele, disse que a redução dos subsídios imposta pelos EUA já era esperada.

¿ Seria muito otimismo acreditar que eles abrissem mão dos subsídios, uma grande surpresa ¿ disse Naegele. ¿ Os países subdesenvolvidos estão tendo sempre de fazer concessões e isso gera prejuízos enormes, pois competem no mercado internacional.