Título: Nepotismo ameaça trincar Frente
Autor: Rosane Garcia e Mariana Santos
Fonte: Jornal do Brasil, 22/01/2005, Brasília, p. D3

Chico Vigilante tenta formalizar resolução que proíbe distritais de contratar parentes, como fez seu aliado Wilson Lima

A coesão da Frente Democrática, que rompeu com a hegemonia do PMDB na Câmara Legislativa, começa a trincar e poderá acabar em implosão do grupo. Diante das recentes denúncias de prática de nepotismo - deputados contratando parentes para cargos de livre provimento - o deputado Chico Vigilante tentou (não conseguiu) protocolar ontem projeto de resolução que proíbe os distritais de nomearem parentes, cônjuges, companheiros ou concubinos. - Acreditamos que era para mudar. Se é para aprofundar as distorções existentes aqui dentro, não há porque manter coesão - afirmou Chico Vigilante, sem esconder a indignação diante da impossibilidade de protocolar o seu projeto, porque às 16h45 nenhum servidor estava na seção para receber o documento, quando o horário de expediente termina às 18h.

Segundo Vigilante, os 1,7 mil servidores da Câmara Legislativa não entenderam que o recesso é para os parlamentares, como o próprio nome indica [recesso parlamentar]e não se estende a todos os funcionários da Casa, que têm direito a férias e folgas, de acordo com a legislação trabalhista. No entanto, a ausência de servidores vem se incorporando à rotina do Legislativo local, levando o deputado a fazer um desafio:

- No dia em que todos os 1,7 mil funcionários comparecerem ao trabalho, teremos servidores até no Extra [supermercado distante cerca de 500 metros da Câmara Legislativa]- afirmou o deputado.

Vigilante disse que o projeto de resolução contra a prática de nepotismo revela-se uma exigência da sociedade, oprimida pelo crescente desemprego e vítima da concentração de renda.

Com um salário de pouco mais de R$ 9 mil, a contratação de parentes, muitos residindo na mesma casa, eleva a renda familiar para R$ 30 mil, R$ 40 mil por mês - segundo cálculos do parlamentar. Ou seja: a Câmara Legislativa estaria, mais uma vez, agindo ''na contramão dos interesses da sociedade e negando o compromisso de moralização da Casa'', uma bandeira da campanha da Frente Democrática durante a disputa pela Mesa Diretora.

A Associação de Servidores da Câmara promete divulgar na próxima semana um levantamento sobre quantos e quais cargos são ocupados por parentes de parlamentares. As denúncias de nepotismo começaram já nesta semana. Na berlinda, o presidente da Casa, deputado Fábio Barcellos (PFL), e o 1º secretário, Wilson Lima (PMDB) - ambos eleitos pelo bloco que reuniu PT, PFL, PPS e dissidentes do PMDB e PP. Por indicação de Barcellos, sua tia, Ângela Barcellos Vale Comin, é a chefe do setor de Pesquisa e Recuperação de Informação da Casa. Segundo informações da Presidência, Ângela ocupa cargo de chefia há dois anos, e trabalha há 30 como bibliotecária.

Wilson Lima é acusado de favorecer o filho de 25 anos, Wilmar Lima, e a irmã Neusa Cassiano, para cargos na estrutura da Casa. Wilmar foi nomeado no início deste mês, com os rearranjos estruturais, chefe da Divisão de Cadastro e Pagamento de Pessoal da 1ªSecretaria, cuja remuneração é de R$ 6,8 mil. O deputado conta que durante a legislatura anterior, Wilmar foi indicado por ele chefe da Coordenadoria de Modernização em Informática. Passou dois anos na chefia da assessoria do gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e, requisitado novamente pelo pai, voltou à Câmara.

Neusa Cassiano trabalha no Fundo de Assistência à Saúde da Câmara (Fascal) e foi nomeada assessora da 1ª secretaria - ''são duas funções, mas um único cargo'', ressalta o deputado. Ele defende a irmã garantindo que ela tem três graduações (contabilidade, enfermagem e administração) e de que é uma exímia profissional.

- Ela leva trabalho da Fascal para casa. Trabalha com cálculos de processos à noite - justifica o deputado.

Para Chico Vigilante, o argumento de que o parente é competente não justifica a contratação.

- Se é mesmo competente como o colega diz, então por que esse parente não faz concurso público ou abre o próprio negócio? - questiona ele.