Título: Árabe desdenha promessa de Bush
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Fonte: Jornal do Brasil, 22/01/2005, Internacional, p. A9

População muçulmana acredita que discurso de posse do presidente dos Estados Unidos não merece confiança

CAIRO - A promessa do presidente dos Estados Unidos, George Bush, de defender os oprimidos do mundo, feita em seu discurso de posse, foi recebida com desdém nos países árabes, onde se considera que ele deveria libertar os palestinos e iraquianos da ocupação para merecer confiança. Na quinta-feira, Bush prometeu promover a liberdade contra ''governantes de regimes fora-da-lei'', tarefa que seria ''necessidade urgente para a segurança da nossa nação''.

São termos que lembram os árabes das promessas de Bush em seu primeiro mandato, de propagar a democracia no Oriente Médio. Apesar disso, não vêem nenhuma pressão americana para que seus aliados façam reformas, e dizem que o apoio a Israel prejudica ainda mais sua credibilidade aos olhos da população.

- Não há abordagem confiável para lidar com os regimes despóticos no mundo árabe - afirma o analista político egípcio Mohammed Al Sayed Said. - Há pessoas na região que são os próprios ditadores trabalhando para ele - completa Said.

A questão também suscita críticas entre ativistas de direitos civis.

- Espero pressão dos EUA contra ditadores amistosos, mesmo que não possam fazer nada com alguns dos seus inimigos. Poderiam exigir um cronograma para a democratização - reclama o egípcio Sadeddin Ibrahim, candidato ''simbólico'' à Presidência de seu país neste ano, em contrapartida a Hosni Mubarak, no poder desde 1981. Ibrahim se diz frustrado com o fato de Bush não ter pressionado Egito, Tunísia e Arábia Saudita a adotar reformas.

- Um teste simples seria parar de convidar líderes despóticos para visitar Washington. Usem a ajuda, o comércio e a tecnologia como pressão pacífica sobre esses regimes, para trazer as mudanças necessárias - cobra Ibrahim.

Washington considera a promoção da democracia como um antídoto contra o radicalismo islâmico e o antiamericanismo na região, ainda que, nos países citados pelo ativista, a definição tenha uma interpretação peculiar e muito diferente da tradicional. Os críticos dizem, no entanto, que tais objetivos estão sendo prejudicados pela violência e pela ocupação no Iraque, o que municia governos árabes para se defenderem de interferências externas.

- Cada fracasso dos EUA no Iraque é celebrado na imprensa pública com linguagem apaixonada. Parece haver um profundo desejo de que a Casa Branca afunde. Assim, sua credibilidade continua sendo prejudicada - avalia Ibrahim.

O colunista saudita Hussein Shubokshi faz uma pergunta:

- Haverá um Iraque dividido, um Iraque violento ou um Iraque democrático? Isso vai determinar a credibilidade das palavras dos americanos.

Os governos árabes também são acusados de usar o conflito entre palestinos e israelenses para dificultar a adoção de reformas democráticas. Os EUA dizem que tais reformas deveriam ocorrer independentemente do conflito. Mas, para a população, a promessa não terá crédito enquanto a Casa Branca não agir com equilíbrio.

- Até lá, o discurso cairá em ouvidos surdos - diz Ibrahim.

Surdos e irados, a julgar pelo que diz Mohammed Said, um palestino de 37 anos, em Gaza.

- Do que ele fala? Não sabe que vivemos há 55 anos sem liberdade? Israel nos mata com as armas que ele vende. Agora precisa provar o que diz ou suas palavras não significarão nada para ninguém - avalia.

No Afeganistão, a sensação é pior ainda. O país já passou pela fase na qual o Iraque se encontra nas promessas de Bush, mas a situação não melhorou.

- A corrupção explodiu, a pobreza também, embora alguns tenham se enriquecido. Temo pelo meu filho, acho que os afegãos perderam o controle do seu futuro, tornaram-se atores em um filme dirigido por poderes externos. Primeiro foi a Rússia, depois o Paquistão, e agora os EUA - analisa o escritor Shah Mohammed.