Título: Independência ameaçada
Autor: Ney Moreira da Fonseca
Fonte: Jornal do Brasil, 22/01/2005, Opinião, p. A11

Logo em seu artigo 2º a Constituição Federal estabelece serem os Poderes da União independentes e harmônicos entre si. Esses poderes, como se sabe, são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O Poder Executivo é exercido pelo presidente da República, com auxílio de ministros de Estado, por ele livremente nomeados e demissíveis ad nutum. O Legislativo é exercido por senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores, todos eleitos pelo povo, em eleições diretas e secretas. O Judiciário é exercido por juízes, desembargadores e ministros, nas esferas estaduais e federal. Os cargos são providos por meio de concursos públicos de provas e títulos e, em um quinto dos lugares nos Tribunais, com a única exceção do Supremo Tribunal Federal, por representantes do Ministério Público e dos advogados, com mais de dez anos de carreira e de exercício profissional, respectivamente, de notório saber jurídico e reputação ilibada, por meio de listas sêxtuplas compostas por órgãos de representação das respectivas classes, reduzidas a três pelos Tribunais e escolhido um pelo presidente da República.

O presidente também nomeia os desembargadores federais, os ministros do Superior Tribunal de Justiça, os do Tribunal Superior Trabalho, do Tribunal Superior Eleitoral, os do Superior Tribunal Militar, em listas tríplices compostas pelos respectivos Tribunais Superiores e os do Supremo Tribunal Federal, por sua livre e soberana escolha, após sabatina do Senado Federal.

Essa submissão do Poder Judiciário ao Executivo, mais precisamente ao presidente da República, cria uma indesejável e incoveniente limitação à independência funcional do magistrado. São incontáveis meses, dias e horas de peregrinação humilhante pelos corredores do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e de gabinetes ministeriais em busca de apoios políticos, sobretudo os dos parlamentares dos partidos que dão sustentação política ao governo. Um longo e sofrido beija-mãos, incoveniente à independência do juiz e à sua inarredável necessidade de autonomia para julgar com imparcialidade. Um autêntico jogo de pôquer. Os candidatos conhecem os seus apoios, vale dizer o jogo que têm nas mãos, mas não conhecem os de seus competidores.

Sem dúvida essa sistemática da luta pela nomeação, pela escolha, compromete a futura independência na obrigação que tem o juiz de julgar com imparcialidade, submetido tão-somente à sua consciência. Por que os juízes não são escolhidos por critérios de mérito e antiguidade pelos próprios Tribunais, isto é, pelo próprio Poder Judiciário, observando-se o critério da carreira? Os ministros do Supremo seriam recrutados sempre pelo critério da antigüidade e merecimento no Superior Tribunal de Justiça e não por sistemas de cotas de sexo e de etnia. Por que essa desnecessária e incoveniente submissão ao poder político?

A sociedade assistiu perplexa a um recente julgamento do STF no caso da imposição de pagamento de contribuição previdenciária pelos aposentados, com indisfasável conotação política. E um dos ministros chegou a sustentar em seu voto que o Supremo não era só um tribunal jurídico, mas também político. Quando se sabe que o Supremo é a última instância recursal, é a Corte Constitucional, e deve ser o guardião da Constituição, essa postura assusta a sociedade, em especial aos mais fracos, aos desassistidos, na luta da sobrevivência contra atos de tirania do Executivo. Os malefícios dessa situação mais se exasperam quando se cogita, na reforma do Judiciário da implantação da chamada Súmula Vinculante, que irá impor a todo o Judiciário as decisões do STF, em nome da agilização.

Para poder exercer a judicatura com total independência, os Tribunais Superiores nem deveriam estar sediados em Brasília, uma cidade burocrática, tão próximos do poder político, especialmente o STF.

Certa vez, o meu saudoso amigo, ministro Evandro Lins e Silva, disse-me que o ministro Barros Barreto, quando no exercício da presidência do Supremo, e bem assim o ministro Nelson Hungria, relutaram muito em transferir do Rio de Janeiro a sede da Alta Corte para Brasília. Por que não retorná-la ao Rio, a seu berço histórico na Av. Rio Branco, agora servindo de sede ao magnífico Centro Cultural da Justiça Federal?